Ela faz retratos a partir do ADN de beatas e cabelos

Heather Dewey-Hagborg gosta de bio-arte e “StrangerVisions” é o nome do projecto que a deixou obcecada por recolher material com ADN nas ruas de Nova Iorque. O objectivo? Criar retratos 3D

Os modelos a três dimensões dos retratos são criados com a ajuda de um programa de computador que a artista concebeu
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Os modelos a três dimensões dos retratos são criados com a ajuda de um programa de computador que a artista concebeu
Dan Phiffer
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Dan Phiffer

Foi a meio de uma sessão de terapia que este projecto ímpar nasceu. Heather Dewey-Hagborg reparou num cabelo preso no vidro de uma janela. “Fiquei a olhar para este cabelo, a pensar de quem seria e o que se poderia saber dessa pessoa a partir dele”, explica a artista norte-americana. “No regresso a casa, mais tarde, tomei consciência de todo o material genético que me rodeia e a ideia para o ‘Stranger Visions’ materializou-se.”

A partir daí, Heather, de 30 anos, começou a recolher “amostras” — vestígios de ADN que encontrava nas suas deslocações diárias. “Cabelos, unhas, beatas, pastilha elástica. Nós espalhamos o nosso ADN por todo o lado a toda a hora e nem sequer reparamos”, aponta. “Há cerca de dez anos que seguia e me interessava por bio-arte. Precisava, contudo, de uma questão, uma ideia para me forçar a ‘sujar as mãos’”, conta, em entrevista por e-mail ao P3.

Para que um conjunto de cabelos, beatas e pastilhas (já mastigadas) aleatórios se transformassem em retratos 3D dos seus donos, a jovem estudante de doutoramento nascida na cidade de Filadélfia contou com a colaboração de laboratórios para a extracção de ADN, alguns deles em modo DIY (“Do it yourself”). “Trabalhar com os biólogos ensinou-me praticamente tudo o que sei sobre Biologia Molecular e ADN”, diz.

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Os trabalhos de Heather Dewey-Hagborg estiveram expostos na Clocktower Gallery, em Nova Iorque

Após extrair o ADN em laboratório, Heather amplificou certas regiões, usando uma técnica chamada PCR [‘Polymerase Chain Reaction’] que lhe permitiu “estudar algumas regiões do genoma que tendem a variar de pessoa para pessoa”. Para que a sequência genética de cada indivíduo fosse mais de que valores indecifráveis, Heather criou um programa de computador que se alimenta dessa informação e a transforma num “modelo 3D de uma cara”, explica.

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Para a artista norte-americana, o realidade assemelha-se à ficção científica

Ainda ninguém se reconheceu 

Informações como o género, cor dos olhos e do cabelo, sardas, pele mais clara ou mais escura e outras características faciais, tais como comprimento do nariz e distância entre os olhos são parâmetros que Heather analisa. No final, a artista acrescenta alguns retoques ao modelo a três dimensões e exporta-o para uma impressora 3D, que lhes dá uma dimensão física. Os retratos têm uma “parecença familiar” com a pessoa, refere Heather (é mais provável que se pareça com um primo, por exemplo).

Até agora ainda ninguém se reconheceu nos retratos e nas esculturas, mas questões relacionadas com propriedade da informação genética são levantadas. Daí que Heather prefira falar em “vigilância genética”, o acto de ver ou estudar a informação genética de uma pessoa sem o seu conhecimento ou consentimento. “Estamos constantemente a deixar vestígios, pistas sobre quem somos”, justifica a doutoranda, para quem a vigilância genética possibilita a análise de “informação íntima e pessoal”, “coisas que até podemos nem saber sobre nós próprios”.

“Teoricamente, se tiveres o teu genoma sequenciado, posso fazer mais do que apenas conhecer coisas muito pessoais sobre ti. Posso clonar-te. É um cenário de ficção científica mas é a realidade.”

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