Da escrita e do escritor

Quantos indivíduos há por aí que têm uma grande quantidade de obras e textos arrumados na gaveta, nunca publicados?

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O médico pratica a medicina; o advogado pratica a advocacia; o professor pratica o ensino. E o escritor?

Seguindo o raciocínio, o escritor será aquele que escreve, o que me levanta uma questão: hoje em dia, todo o indivíduo não só sabe ler e escrever como o faz a todo o instante do seu dia. Certamente que não podemos seguir este caminho, senão todo o indivíduo será considerado escritor e a categorização cairá num vazio.

Da mesma forma que todos quanto escrevem com grande regularidade não são escritores, também não são médicos todos os que medicam um doente (como faz a mãe ao dar comprimidos ao filho sem terem sido prescritos pelo médico; ou como fazemos todos ao adotar certos hábitos para mantermos a nossa saúde e qualidade de vida), não são advogados todos o que julgam e argumentam a favor ou contra outros indivíduos, nem são professores todos os que ensinam algo a alguém. Então, se não podemos distinguir o escritor pela sua atividade, que outro elemento explicativo podemos nós encontrar?

Frequentemente, um indivíduo é considerado escritor quando tem um livro publicado e acessível para consulta por parte da sociedade em geral. Não me parece que assim seja, nem que esta tipologia sirva para o efeito. Segundo ela, um médico só o seria após ter curado um doente, um advogado só o seria após defender um arguido e um professor só o seria após ter ensinado um aluno.

Esta definição não contém nada senão problemas. Em primeiro lugar não se pode classificar um profissional pelo seu sucesso em determinada tarefa pois, para a ter executado, ele já precisa ser considerado como tal. Não parece lógico a ninguém que um médico cure o seu primeiro doente com sucesso antes de ser considerado médico, tal como também não é admissível que um advogado defenda um arguido antes de ter o certificado em como está habilitado para tal. O mesmo acontece com o professor que não será admitido em nenhuma escola se não for considerado apto para desempenhar tal tarefa previamente. Também o escritor não pode adquirir o seu conceito distintivo apenas após ter publicado o primeiro livro.

Quantos indivíduos há por aí que têm uma grande quantidade de obras e textos arrumados na gaveta, nunca publicados? Não serão também eles escritores? E os que escrevem blogues, crónicas, colunas, opinião, não serão também eles escritores também apesar não terem um texto publicado no formato a que nos habituámos a chamar livro? E aqueles que contam já com um ou mais livros publicados por grandes editoras cujo conteúdo é, por exemplo, dedicado à culinária e apenas contém receitas compiladas e imagens ilustrativas? Serão esses escritores, apesar de terem publicado um livro sem uma única frase criativa? Quem são os escritores?

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