Sem plano B

Em Portugal não podemos ter planos, roubaram-nos a esperança e a possibilidade de construir algo, bloquearam-nos a capacidade de evoluir, mas quem está fora não tem a vida facilitada

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al_green/Flickr

Chegar aos 30 sem ter um plano é tudo aquilo que eu não planeei.

Na minha vida defini sempre várias metas, e quase todas me saíram “ao lado”. Portanto, já devia saber que ter planos nem sempre dá certo.

Tirei um curso para poder ser algo que acabei por deixar escapar, depois quis algo que tive medo de tentar e só no fim me deixei apaixonar pela advocacia. Quando já fazia planos para o futuro, planos de família, quando estava já a fazer carreira nessa advocacia e a vida parecia estar-se a encaminhar no sentido que eu queria, tudo mudou outra vez.

Tudo mudou porque eu aceitei as mudanças, é certo, mas elas vieram-me mostrar que não tenho “poder total” na minha vida.
Vim parar a uma cidade onde nunca quis morar, num continente onde nunca me imaginei a viver, onde nem sequer posso exercer a profissão para a qual estudei cinco anos (mais formações adicionais) para exercer.

Aqui estou, em Maputo, 30 anos, solteira/”junta”, sem filhos, com um cão, sem profissão definida ou “entre trabalhos”. Este é o meu “pedaço” de vida.

Será isto normal? Eu não planeei nada disto. Nunca pensei que a “história” se desenrolasse desta forma. Sempre imaginei viver um daqueles “quadros familiares” que sonhamos em criança: aos 30 anos já estaria casada, teria filhos, cães e uma casa com jardim naquela rua “ao pé” de casa dos pais, aquela por onde eu passava todos os dias. Aos 30 já seria “velha” e teria uma secretária apinhada de processos dos meus inúmeros clientes. Imaginava eu.

Mas imaginei tudo mal. O plano A falhou redondamente. Mas, na verdade, não tenho um plano B. E será que devo ter? Não ter um plano não deixa de me ser estranho. Mas assistir constantemente a planos “adiados”, “alterados”, ou mesmo “falhados” , não deixa de ser frustrante. Talvez seja mais “simples” não os ter. O plano é agora, não ter planos.

A verdade é que não me sinto velha, muito pelo contrário. Não casei porque ainda não calhou. Não tenho filhos porque ainda não quis. Tive de “guardar” a já saudosa toga, pelo menos durante uns tempos. E não moro “naquela” casa com jardim, porque não vivo em Portugal — e mesmo que vivesse não teria dinheiro para a ter.

Hoje em dia até prefiro apartamentos com varandas a casas com jardins. A vida está sempre a mudar, nós mudamos, as nossas vontades mudam, os nossos gostos mudam, o que faz com que os nossos planos estejam (ou não?) sempre condenados ao fracasso.
Estar hoje a viver aqui em Maputo, onde não sei o que me espera profissionalmente, onde nem sequer sei por quantos anos aqui vou ficar, é no mínimo “diferente” daquilo que “sonhei” para mim.

Não sei se um dia regressarei a Portugal (apesar de, no meu íntimo, querer muito voltar). Não sei se irei para outros países, para outros continentes. Não sei sequer que profissão irei ter. Já nem sei se algum dia casarei ou se terei filhos.

Em Portugal não podemos ter planos, roubaram-nos a esperança e a possibilidade de construir algo, bloquearam-nos a capacidade de evoluir e progredir, mas quem está fora também não tem a vida facilitada, tem a esperança de um dia voltar, mas não sabe quando, e se, esse dia chegará.

Os planos não dependem só de nós. Dependem também da sorte, dos outros, e de muitos outros factores que nós não controlamos. Há “coisas” que dependem da vida. Ainda assim, o meu íntimo pede-me um plano, que neste momento não lhe consigo dar. 

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