Banda desenhada sobre erro médico estreia-se numa prestigiada revista clínica

Um médico e um ilustrador publicaram um "artigo" aos quadradinhos numa revista clínica. Vai haver novelas gráficas nas publicações médicas e científicas?

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A história intitula-se Missed It (algo como "passou-me ao lado") e foi publicada na penúltima edição da revista Annals of Internal Medicine. Foi a primeira vez que esta prestigiada publicação do American College of Physicians — a quarta no ranking mundial das revistas médicas segundo dados oficiais de 2011 — dedicou cinco páginas da sua edição a um artigo diferente de todos os outros.

Um artigo que, em vez de muito texto indigesto pespontado por algumas imagens igualmente técnicas, como é habitual nas publicações especializadas, tem muitos bonecos e parcos diálogos. Uma banda desenhada, a preto e branco, num estilo que lembra os clássicos "comics".

Todavia, a sua publicação foi tudo menos irrelevante. Como explica a revista médica no editorial da sua edição de 5 de Março, "recebemos [o] primeiro manuscrito neste formato enquanto estávamos a começar a rever os manuscritos para um suplemento sobre a segurança dos doentes" (suplemento, esse, que foi publicado na referida edição).

"Por um feliz acaso, a novela gráfica contava a história de um erro de diagnóstico que iria assombrar um médico ao longo de toda a sua vida profissional", lê-se ainda no editorial. "E como vários artigos do suplemento abordavam estratégias para evitar o tipo de erro clínico descrito com tanto realismo neste singular artigo "gráfico", achamos adequado publicá-lo."

Uma história "autobiográfica"

A história aos quadradinhos foi escrita por Michael Green, professor de medicina da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA) — e desenhada por Ray Rieck, artista freelance e colega de Green naquela universidade. E aborda um tema que provavelmente todos os clínicos receiam (ou recearam) viver em carne própria. E que Green, de facto, viveu. "A história é autobiográfica. Aconteceu há cerca de 20 anos, quando estava a fazer a minha formação médica", disse Green ao PÚBLICO.

É a primeira vez que um artigo deste tipo é publicado numa revista como esta? "Tanto quanto sei", responde-nos o autor - que lecciona, em particular, aulas sobre medicina e banda desenhada aos estudantes de medicina -,"é de facto a primeira vez que uma banda desenhada é publicada numa revista médica de cariz clínico".

Sem revelar demasiados pormenores: um jovem médico está de banco no hospital, à espera de conseguir dormir umas horas nessa noite, quando recebe um telefonema a dizer que tem de ir examinar um doente que acabou de dar entrada na urgência. Ao longo da noite, o doente, que sofre aparentemente de um problema pulmonar, piora apesar dos tratamentos que lhe vão sendo administrados. E acaba por morrer. A seguir, quando o médico recebe o resultado da autópsia, percebe que não soube ver um sintoma-chave do doente (um sopro cardíaco), apesar de ter estado, literalmente, à frente do seu nariz. Fez um diagnóstico errado — um erro fatal.

Por enquanto, Green não sabe se vai escrever novos episódios - e os Annals of Internal Medicine também não sabem se "esta será a primeira ou se será a única novela gráfica a ser publicada" na revista. Isso dependerá, em parte, da reacção dos leitores a esta inovação.

"Há muito tempo que sentia que a banda desenhada é uma forma ideal de contar histórias que têm um impacto emocional", confiou entretanto Green à revista "Science". "Os médicos estão habituados a contar e a ouvir histórias e pensei que tinha chegado a altura de experimentar novas maneiras de contar essas histórias."

E ao PÚBLICO, salienta: "Acho que os comics são uma excelente ferramenta pedagógica — e que têm lugar na sala de aula. E não me surpreenderia nada que começássemos a ver surgir mais histórias em formato de banda desenhada a descrever a experiência de uma doença, de um médico ou outras coisas do género."

A BD está acessível na íntegra, mediante pagamento, neste endereço (é contudo possível visualizar gratuitamente a totalidade da primeira página). E daqui a seis meses, informou-nos uma porta-voz da revista, ficará no domínio público.

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