Os Idiotas que não rebentam com os partidos

Não faz qualquer sentido que sejam apenas 3% da população a escolher as nossas duas opções viáveis para constituir Governo ou o Presidente da República

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JD Hancock / Flickr

Sempre desconfiei da nossa idiotice. Para além das desconfianças quanto à minha potencial tendência individual para poder ser idiota, tinha a convicção que, enquanto povo, esse seria um traço coletivo que “nos assistia”. Mas foi só quando andei pela Grécia que tive a derradeira confirmação. Essa revelação deu-se em 2010, ainda que nada tivesse que ver com os tumultos vividos na capital grega nessa altura.

A autoidentificação com a idiotice surgiu quando subia à acrópole, durante uma das explicações da guia responsável pela visita histórica. Numa pausa, a meia encosta, perguntou-nos, num castelhano facilmente assimilável por ouvidos lusitanos, se sabíamos qual a origem da palavra “idiota”. Sem sabermos de imediato a resposta, começamos por nos sentir idiotas. Depois, mesmo que soubéssemos a explicação, percebemos que seriamos idiotas de qualquer dos modos…

É que Idiota, em grego antigo, queria dizer algo semelhante a: “Homem privado”. Ou seja, tendo em conta o modo como era vivida a cidadania na democracia ateniense, era inaceitável que os cidadãos se desligassem da vida política, que vivessem apenas como “homens privados”, defendendo apenas os seus interesses particulares. Partia-se do princípio que quem não participava civicamente – que na altura era o mesmo que politicamente – ou era egoísta ou não tinha as capacidades intelectuais mínimas para tal, logo era idiota.

Depois a palavra foi evoluindo e sendo readaptada, especialmente pelos romanos que lhe marcaram a atual conotação. Pode-se dizer então que, segundo os antigos gregos, cá por Portugal, somos verdadeiros idiotas. Somos, tendencialmente, homens e mulheres privados que, apesar de tudo, ainda pouco damos e contribuímos para a vida política nacional e local enquanto exercício cívico corrente - ainda que existam alguns indícios de que tal pode estar a mudar.

O estado dos partidos políticos revela isso mesmo, tanto por culpa de quem faz parte como de quem foge deles. Não há democracia sem grupos de pessoas organizados politicamente, tenham essas associações o nome de partidos ou outra coisa qualquer. Pormenores de nomenclatura à parte, a participação cívica/política dentro dos partidos, para nosso bem, deveria ser muito maior. Precisamos efetivamente de os fazer crescer por dentro, abri-los para que rebentem pelas costuras, de modo a serem mais representativos dos cidadãos.

Não faz qualquer sentido, mais coisa menos coisa e na melhor das hipóteses, que sejam apenas 3% da população – os militantes de todos os partidos e afins - a escolher as nossas duas opções viáveis para constituir Governo, o Presidente da República, ou as listas restritas de deputados. E também não faz sentido que os cargos políticos sejam acessíveis somente a alguns só porque todos os outros andam desligados.

Para além de necessitarmos de alargar a participação por votação nas bases, precisamos também de alargar as escolhas das ideias e dos personagens políticos, que antes de mais deviam ser atores cívicos. Nos partidos existentes, em novos ou com outras denominações de conjunto, não podemos é continuar a ser idiotas! O desenvolvimento de um país depende muito do modelo governativo político instituído, e nós temos feito pouco para melhorar a nossa democracia, que está ainda longe de ser civicamente participativa. A nossa idiotice (segundo o modelo grego) tem-nos forçado a sofrer os resultados da idiotice (segundo o modelo romano) de alguns dos nossos governantes. Mas no fundo os idiotas somos nós! 

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