João Viana, o auto-didacta que vai ao Festival de Berlim em modo “bis”

Berlinale recebe a curta "Tabatô" e a longa "A Batalha de Tabatô", a primeira do realizador. Uma acção de "combate" pela Guiné-Bissau, a partir da "obsessão artística" por uma "aldeia de músicos"

Não entende o que são “escolas de Cinema”. Ok, lá até se pode ensinar a técnica, mas foi mesmo na Cinemateca, perante o grande ecrã, que João Viana, realizador nascido em 1966 em Angola, aprendeu o que era Cinema, soube que queria fazer Cinema. E logo aos sete anos.

O tempo passou, as películas foram mudando, as salas também. Agora, João prepara-se para a “dobradinha” no Festival de Berlim, apontando já para o “hat-trick”. A curta “Tabatô” está na corrida para o Urso de Ouro (que no ano passado foi para João Salaviza) e a sua primeira longa, “A Batalha de Tabatô”, foi seleccionada para a secção paralela Forum, dedicada a áreas mais experimentais, onde também está “Terras de Ninguém” de Salomé Lamas ("Um Fim do Mundo", de Pedro Pinho, completa a representação portuguesa). Entretanto, ainda há-de chegar o documentário “Música para Tabatô”. Mas já lá iremos.

Aos sete anos, sabia que queria fazer Cinema, mas teve de ceder à vontade do pai, juiz e poeta, que era da opinião que “a coisa artística devia ser amparada com um trabalho normal”. Já no curso de Direito começou a descair para o Cinema — finda a licenciatura, “cumprido o contrato”, descambou de vez. Salvo seja.

“A Piscina” foi a sua primeira curta-metragem a solo. Um “projecto esquisítissimo, muito estranho” porque “não tinha história”. Conseguir um subsídio do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) “foi muito difícil”, mas ajudou-o o produtor Paulo Rocha. E não só. Em 2004, passou pelo Festival de Veneza e arrecadou uns quantos prémios nacional e internacionalmente. Depois veio “Alfama”, que foi parar a Clermont-Ferrand. E outros trabalhos. Mais recentemente, o seu nome apareceu por aí umas quantas vezes graças a “Ó Marquês anda cá abaixo outra vez!”, documentário em que retrata a actual situação do cinema português.


Uma "pérolazinha" na Guiné-Bissau

E eis que chegamos a Tabatô. Aliás, primeiro a Berlim, onde pela primeira vez João ouviu falar de Tabatô, uma “aldeia de músicos” no centro da “confusão militar” que é a Guiné-Bissau, “o terceiro país mais pobre do mundo”, que é o centro da acção desta tríade.

“Um jovem violinista alemão disse-me que queria fazer um ‘workshop’ de djambé numa aldeia mítica”, recorda. Pensou que “o mundo estava ao contrário”. “Quando era miúdo, em Angola, os pais mandavam os filhos para a Alemanha para aprender música”. Agora era o reverso. Ficou com a ideia na cabeça, apresentou o projecto ao ICA e ganhou. “Uma ninharia”, seis mil euros, pelo projecto de desenvolvimento. Depois, 60 mil, “um décimo do ‘Tabu’”. Sente que “cumpriu” em relação ao Estado — do mesmo dinheiro fez uma curta, longa e um documentário, este último ainda em pós-produção, feito a partir da leitura de Pedro Carneiro, “um dos maiores percussionistas do mundo”, sobre a música mandinga.

Três trabalhos num processo que se prolongou por quatro anos, contando com a produção da Papaveronoir, a empresa que criou em 2009, que também vai ser responsável pela distribuição. Tudo isto porque, confessa, desenvolveu uma “obsessão artística” por Tabatô. “É uma pérolazinha no centro da Guiné onde toda a gente é músico.” Lá encontrou “gente absolutamente maravilhosa”, que “valoriza”, e muito, o seu trabalho. Vivem da música e toda a gente faz música. Cedo percebeu que, para a equipa ser aceite, “teria de estar ao mesmo nível”. Todos tinham de "ser iguais", sem qualquer resquício de “intervenção neocolonial”. Ficaram na aldeia, dormiram no chão, não podia ser de outra maneira. A “entrega” trouxe a “confiança”. Aliás, o próprio protagonista é o chefe da aldeia.

Realizador, uma "profissão de combate"

Foi com surpresa que soube que os dois filmes tinham sido seleccionados para a 63.ª Berlinale, que decorre de 7 a 17 de Fevereiro, e que no ano passado, para além de Salaviza, premiou Miguel Gomes. “Estava absolutamente convencido que estes festivais de classe A eram para filmes de grande orçamento”, graceja. Admite que a equipa “está com muitas expectativas”, mas para ele “estar em Berlim já é bom”.

Aguardam-se os preparativos. João leva a Berlim este retrato activista de uma “aldeia de paz” em contraste com um “país martirizado pela guerra”.“No fundo é para mostrar que há uma réstia de esperança. Talvez nós [e com este “nós” refere-se aos africanos, ou não tivesse João dupla nacionalidade] não precisemos das Nações Unidas, de Portugal, de ajuda externa. A solução está lá dentro. Precisam é de erguer a cabeça e isso tem de ser amparado e mostrado.” Afinal, ser realizador é ter “uma profissão de combate”, uma “profissão de responsabilidade”.

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