Jovens agricultores: uma minoria em crescimento e cada vez mais formada

Sérgio Carvalho e Carla Pacheco concluíram este mês uma formação para jovens agricultores. Ele tem 24 anos e o ensino secundário, ela tem 36 e é doutorada. Todos os meses, 280 jovens instalam-se no sector

Joana Maltez
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O primeiro contrato que teve foi de 30 dias e em onze anos de profissão, com uma licenciatura e um doutoramento no currículo, só conseguiu trabalhar efectivamente durante cinco. Deu aulas no Porto, em Braga, em Vieira do Minho, em Lousada, em Famalicão, em Amarante, em Leça da Palmeira. Sempre de forma intermitente. Até que, há dois anos, deixou de conseguir colocação e decidiu mudar de vida.

No início do mês de Fevereiro, Carla Pacheco completou a formação profissional que lhe confere o título de jovem agricultora e passou a fazer parte de uma minoria que, de acordo com o Governo, tem vindo a crescer. Não foi a concretização de um sonho antigo - foi um drible habilidoso ao desemprego, que acabou por revelar-se uma opção feliz.

“Ia trabalhando no campo enquanto não tinha emprego, mas sempre concorri para ir dar aulas, nunca pensei viver disto. Agora se calhar vou deixar de concorrer”, confessou a jovem de 36 anos.

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Criar gado minhoto é o objectivo do projecto de Sérgio Carvalho Joana Maltez

Mais do que de mágoa, a decisão de Carla enche-se de racionalidade. Surge da constatação de que a qualidade de vida que tem agora nada tem a ver com a que tinha quando dava aulas. “Quando estava em Lousada ia e vinha todos os dias, 60 quilómetros vezes dois. Cheguei a meio do ano, fiz as contas com a minha auxiliar e ela ganhava mais do que eu”, contou ao P3 na Quinta do Gomes, propriedade dos sogros, em Vieira do Minho, que Carla quer transformar numa quinta pedagógica.

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Na Quinta do Gomes, Carla Pacheco quer criar uma quinta pedagógica Joana Maltez

Uns quilómetros à frente, na freguesia adjacente, Sérgio Carvalho é aquilo que sempre sonhou ser: agricultor. Completou o ensino secundário com um curso na área de Hotelaria, mas sempre soube que o futuro dele era no campo. “Estava lá, mas a minha ideia estava sempre aqui, com os animais.”

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Sérgio Carvalho tem 24 anos e sempre sonhou ser agricultor Joana Maltez

O PRODER, programa que gere os fundos da Política Agrícola Comum, deu luz verde ao projecto de criação de gado minhoto, que o jovem de 24 anos está agora a desenvolver com a ajuda da mãe.

A primeira cooperativa jovem do país

Carla e Sérgio fazem parte de um grupo de 16 jovens de Vieira do Minho, com idades à volta dos 30 anos, que, depois de completarem uma formação dada pela CONFAGRI, querem avançar para a criação da primeira cooperativa jovem do país.

A tendência é crescente, ainda que pouco expressiva: apenas 2,5% dos agricultores portugueses têm menos de 35 anos e quase metade tem mais de 65. A CONFAGRI, uma das entidade onde as pessoas apoiadas pelo PRODER podem fazer formação, teve, em 2012, um total de 708 formandos jovens, número que em 2011 era de apenas 272.

Quase metade dos jovens que procuram no sector agrícola uma oportunidade tem formação superior (46%) e os homens ainda predominam, ainda que sem uma maioria significativa (60%). A ministra da Agricultura, Assunção Cristas, disse em Novembro que havia 240 jovens agricultores a instalarem-se no sector por mês. O PRODER vai mais longe e fala já de um ritmo de 280 por mês.

Sérgio Carvalho tem acompanhado os conselhos dos dirigentes portugueses aos jovens desempregados. Encolhe os ombros: “Achar bem, acho... mas a agricultura é a última opção, é vista como uma actividade para onde vão as pessoas que não têm capacidade para mais”, lamenta. E, quando a filosofia é essa, “não vai funcionar”, adverte: “As pessoas desistem quando percebem que têm de sujar as mãos e não têm descanso.”

A “incerteza” do sector, “sempre sujeito às alterações climáticas que podem pôr em causa todo um projecto e às dificuldades de acesso ao crédito e de comercialização”, é precisamente o calcanhar de Aquiles que a própria CONFAGRI, pela voz da secretária-geral adjunta, Aldina Fernandes, aponta na hora de identificar a parte mais difícil da profissão de agricultor.  

Quando a quinta pedagógica estiver a funcionar, Carla espera conseguir os rendimentos necessários para dizer que vive da agricultura. Para já não é possível: é o marido, "advogado e agricultor de fim-de-semana", quem leva dinheiro para casa e permite levar o sonho da vida rural avante. Uma realidade que a mãe de Sérgio Carvalho conhece bem - e que a levou a tentar convencer o filho, até ao último segundo, a procurar outra profissão: "Da maneira como as rações estão caras e o preço da carne cada vez mais baixa, é complicado...." 

Contando com isso (e com a inexistência de férias e fins-de-semana, repetem os jovens de Vieira do Minho), a agricultura é, definitivamente, uma saída válida: “Acho que pode ser uma solução para o país. Temos tantos campos a monte e, no entanto, importamos imensa coisa que podíamos produzir aqui. É um gasto desnecessário”, diz Carla Pacheco, que espera ver a Quinta do Gomes em pleno funcionamento dentro de um ano. Sérgio Carvalho deixa uma nota final, que não pode ser esquecida: "[A agricultura] não é para todos, tem de se gostar muito."

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