Desculpem

Pedem-se desculpas às centenas, durante um jogo, a cada passe que não sai, a cada bola que não entra

Foto
Joe D/Flickr

Desculpa, não te vi; desculpa, pouca força; desculpa, pensei que estavas sozinho; desculpa, pensei que te ias desmarcar; desculpa, muita força; desculpa, foi sem querer; desculpa, estou de rastos; desculpa, peguei-lhe mal; desculpa, perdi o tempo de passe; desculpa, estava embalado; desculpa, pensei que eras tu; desculpa.

Hão-de desculpar-me a heresia mas o futebol também é isto.

Em casa, no trabalho, entre amigos, na rua, no amor, no supermercado, nas finanças, no Governo, no hospital, – a lista poderia continuar "ad eternum", tal como a anterior -, em nenhum outro local ou circunstância pedi, me pediram ou ouvi serem pedidas tantas desculpas como num campo de futebol.

Não quero com isto dizer que o futebol é um exemplo no que à boa educação diz respeito, longe de mim, eu que por lá ando, logo insulto, sei o quão demagógico seria. Se bem se recordam (não se recordarão, com toda a certeza), afirmei num dos primeiros textos ser um fiel defensor de um ou outro insulto – “jogo sem uma ou outra picardia, um ou outro insulto, deixa de ser futebol” - foram estas as palavras exactas. Continuo a pensar exactamente o mesmo, faço até questão de o reafirmar, não posso, contudo, deixar de referir a outra (e cortês) faceta dos jogos de fim-de-semana. Aliás, nesse mesmo texto, assumo ter enviado uma mensagem de desculpas a um amigo a quem acusara de ser um egoísta do "caralho". (Desde já aproveito para pedir desculpa por ter citado o meu próprio texto duas vezes).

Nada mais natural, pensarão alguns, afinal é sabido que o insulto e o pedido de desculpas são unha com carne. Que depois do erro vem a redenção. Sim, mas nem sempre. Ao contrário do que aconteceu no meu caso, ao contrário do que acontece no dia a dia – o futebol nunca fará parte do dia a dia de um jogador de fim-de-semana, será sempre o seu ponto de fuga -, dentro de campo não é preciso haver insultos para que haja pedidos de desculpas. Basta sentir que se errou.

Não exagero. Tenho por hábito exagerar, aqui e ali, mas não desta vez. Pedem-se desculpas às centenas, durante um jogo, a cada passe que não sai, a cada bola que não entra, a cada jogada que não dá golo, pede-se desculpa porque sim e porque não, por tudo, mas, cima de tudo, por nada. Cheguei mesmo a cruzar-me com um rapaz a quem apelidavam de “O Desculpas”, tal a frequência com que se penitenciava. Não se justificava, perdia perdão, apenas.

Podem dizer-me que é mais uma questão de hábito do que educação – também eu não excluo essa hipótese -, ainda assim, garanto-vos que pedir desculpa não é tão simples como parece. Leva o seu tempo. É preciso treino para que a palavra possa fluir na plenitude. Vergados pela força da expressão, há mesmo quem não consiga pronunciar a totalidade da palavra e se limite a dizer escupa, muito baixo, como se eles próprios pudessem ser apanhados a desculparem-se. Outros há que dizem "sorry". Outros ainda que se limitam a levantar o braço. Lá chegarão, com o tempo, certamente.

Perdoem-me mas tinha que falar nisto. Se momentos há em que levo os problemas para o campo, agora são os hábitos que tenho no campo que parecem vir comigo para casa. Até para estes textos. Como já terão reparado (eu sei que já repararam), são demasiadas as vezes em que, por uma ou por outra razão, peço que me perdoem. Tal como nos últimos dias tenho passado o tempo a pedir desculpa às pessoas que me rodeiam, mesmo sem qualquer razão aparente. Talvez o facto de não jogar há mais de duas semanas explique este comportamento. Poderia sempre consultar Freud, mas não me parece que ele se tenha debruçado sobre o assunto.

Sugerir correcção
Comentar