A “Campeã da Terra” que está a criar um retiro para criativos em Portugal

Leyla Acaroglu percorre o mundo para demonstrar como o design pode ter um papel importante na sustentabilidade. Subiu ao palco das TED Talks, foi eleita “Champion of the Earth” pelas Nações Unidas em 2016. Agora, a australiana está em Portugal para transformar uma quinta centenária num retiro para empreendedores e criativos.

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Encontrar a quinta de Leyla Acaroglu é mais difícil do que antecipámos. Trazemos as indicações pormenorizadas num e-mail mas perdemo-nos assim que entramos no emaranhado de pequenas localidades em redor de Serra, no concelho de Tomar. Uma senhora há-de guiar-nos até Figueira Redonda, onde dois agricultores interrompem os trabalhos na horta para nos indicar a estrada de terra batida até ao que já foi um lagar de azeite. Nada como um GPS à moda antiga.

Na fachada do longo edifício esboroado, um azulejo anuncia a propriedade, agora em escombros, sem telhado nem porta: “Lagar de azeite de Manuel da Eira”. Durante anos, era aqui que cada agricultor da região deixava a colheita para ser transformada em líquido dourado. Nas redondezas, ainda há quem se lembre de ver o lagar a funcionar, conta Leyla, enquanto nos mostra os cantos à ruína. Com o sucessivo abandono das terras, a demanda caiu e o lagar fechou há mais de 50 anos. Agora, promete ser a maior empreitada do projecto que a empresária australiana quer criar à beira do Zêzere.

“Preciso de um quarto de um milhão de dólares [205 mil euros]”, diz, com ar de quem reconhece o desafio mas não desarma o optimismo e a convicção de que há-de conseguir. Quer transformá-lo num “boutique hotel para criativos”, com dez ou 12 quartos, um café aberto ao público e uma biblioteca com uma cúpula em vidro para se observarem as estrelas. “Depois quero convidar um astrónomo para vir cá e liderar alguns programas.”

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Para já, o projecto ganha forma na quinta centenária ao lado do lagar. Enquanto um dos primeiros workshops sobre liderança decorre na sala de trabalho, conversamos com Leyla no terraço com vista para os pomares, as oliveiras, a horta e os animais. Nove galinhas, quatro ovelhas e quatro cabras, que já fomos cumprimentar com pedaços de laranjas. “Este minúsculo rebento vai transformar-se num pepino. Não é incrível?”

Apesar de grande parte da carreira de Leyla Acaroglu estar ligada à luta pela sustentabilidade e pela protecção do meio ambiente, a agricultura ainda é um admirável mundo novo para a australiana, que há cerca de quatro anos trocou Melbourne por Nova Iorque. Até vir para Portugal há um ano para criar o CO Project Brain Spa, um “spa cerebral para criativos optimistas”. Isto é, “um lugar onde se pode vir para recarregar os neurónios”.

“Para muita gente, o conceito de relaxar é não fazer nada ou ter alguém que faça coisas por ti, como uma massagem ou uma bela refeição. Mas acredito que quando perdes a criatividade, quando estás em burn out ou exausto é, na verdade, a tua mente que está sem energia”, começa por explicar a empresária. De acordo com a investigação que fez na área das ciências cognitivas, o vazio só se desbloqueia com a “quantidade certa de desafios”. “Damos-lhes algo que os desafia da forma certa para que aprendam algo novo, ao mesmo tempo que se sentem profundamente empenhados no processo.” Daí que a estadia aqui esteja sempre integrada num programa: bootcamps sobre liderança, “campos de férias”, workshops, retiros temáticos ou residências criativas.

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Há tempo para relaxar na quinta, cozinhar pizzas no forno a lenha, dar um mergulho na barragem de Castelo de Bode, visitar Tomar ou mesmo receber a tal massagem. Mas “o aspecto único” do conceito é que quem vem cá “quer ser activamente energizado criativamente, pensar de forma diferente e ser inspirado pelo contacto com outras pessoas e pela natureza”.

Aliar o design à sustentabilidade

Mas recuemos um pouco. Quem é, afinal, a australiana de cabelo curto e energia contagiante que quer revitalizar a criatividade de quem anda a mudar o mundo numa quinta perdida em Portugal? O percurso académico e profissional de Leyla é o reflexo de quem temos à nossa frente: irrequieto e irreverente. “I was always like this, pushing everyone’s buttons.”

Terminou o secundário sem saber que carreira escolher. “Gostava de tudo, menos de matemática”, recorda. Sabia que queria algo criativo e, em conversa, um amigo sugeriu-lhe o curso de design de produto. “Queria fazer escovas de dentes e telecomandos porque me irritavam de tão mal desenhados”, ri-se. Quando chegou às aulas, no entanto, teve duas revelações. Por um lado, que teria de criar intencionalmente objectos que se estragassem, a bem da economia baseada na produção em massa. Por outro, que “tudo na natureza está interligado” e, por isso, “as decisões que tomasse enquanto designer teriam um grande impacto no planeta”.

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“Aquele momento mudou a direcção da minha vida”, recorda. O professor de engenharia falava-lhes da Teoria de Gaia e, enquanto ela ficou “chocada”, um colega reagiu de uma forma que ela nunca mais esqueceu. Ainda hoje recorda as palavras exactas: “Não sei por que é que te estás a passar, não é como se estes impactos ambientais catastróficos nos fossem afectar ao longo da vida. Para quê preocuparmo-nos?” Fazer com que os outros se preocupem tornou-se um “objectivo de vida”.

A rapariga que “sabia zero sobre como o planeta funciona” desistiu de design para estudar sociologia, com um major em sustentabilidade. Aos 25 anos, fundou a primeira empresa, Eco Innovators, que desenvolvia “ferramentas para educação” que interligavam os temas da comunicação, design e sustentabilidade. Regressou ao design industrial para um doutoramento sobre “como provocar mudanças através do design”. E é isso que tenta fazer desde então, criando jogos educativos, dando palestras pelo mundo — a sua TED Talk tem mais de um milhão de visualizações — e na escola online que fundou em Nova Iorque, a UnSchool, que ganha agora uma base fixa em Figueira Redonda. Em 2016, foi eleita “Champion of the Earth” pelas Nações Unidas.

Mas porquê escolher Portugal entre todos os países do mundo? “Vim de férias há oito anos e gostei tanto que em vez de três dias fiquei duas semanas”, conta. “Adorei as pessoas, a comida, o café, o vinho. Toda a gente é tão simpática. Há muito positivismo aqui e isso era algo que eu procurava”, enumera. “Há muitas coisas com que nos devemos preocupar em relação ao mundo, mas nem sempre temos tempo para pensar em conjunto e colaborar.” Muito menos para ficar a olhar a natureza e vê-la actuar. É esse o grande objectivo de Leyla: criar ferramentas que nos levem a criar as coisas materiais de que necessitamos de uma forma que respeite os ciclos do ambiente. Sem desperdícios. E a quinta é o “laboratório vivo de aprendizagem” ideal.

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