Exposição à luz LED branca pode aumentar o risco de cancro de mama e próstata

Quem diz luz LED branca, diz a luz azul de um ecrã de smartphone ou tablet. Estas são as conclusões de um estudo do Instituto de Saúde Global de Barcelona, em parceria com a Universidade de Exeter.

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Para um dos investigadores do ISGlobal, determinar se a luz artificial nocturna aumenta ou não o risco de cancro da mama é um assunto de “saúde pública” PAULO PIMENTA
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Península Ibérica em destaque numa vista de satélite à noite NASA

A exposição nocturna à luz azul pode aumentar duas vezes a probabilidade de ter cancro da próstata e 1,5 vezes a probabilidade de ter cancro da mama. As conclusões são de um estudo dirigido pelo Instituto de Saúde Global (ISGlobal) de Barcelona, que observou uma associação entre a exposição nocturna à luz azul e o aumento da prevalência desses dois cancros, de origem hormonal.  

O estudo, publicado na revista Environmental Health Perspectives, vem na senda das investigações que levaram a Agência Internacional de Investigação do Cancro da Organização Mundial da Saúde a classificar o trabalho por turnos como “possivelmente cancerígeno em humanos” – isto porque, ao trabalhar de noite, os humanos expõem-se mais à luz artificial. Essa exposição implica uma disrupção no ritmo circadiano, com influência sobre o estado de vigília e sono e a renovação celular. A interrupção do ritmo circadiano afecta  a secreção de hormonas como a melatonina, reguladora do sono, tornando-se um factor explicativo relevante no caso dos dois cancros em estudo: o da próstata e da mama. 

A investigação contou com os dados epidemiológicos de mais de quatro mil espanhóis, homens e mulheres entre os 20 e os 85 anos, de 11 das 17 comunidades autónomas. A informação sobre a exposição nocturna à luz artificial foi conseguida com recurso a entrevistas. Já a informação sobre a cor da luz exterior foi conseguida através das imagens nocturnas de Madrid e Barcelona, captadas pela Estação Espacial Internacional. Para os investigadores, esta foi a única maneira de se conhecer em larga escala a iluminação exterior de uma cidade.

Concluiu-se que quanto mais percentagem de azul contiver a luz, maior o risco de cancro. Os investigadores conseguiram perceber que os participantes que vivem em cidades grandes e estavam fortemente expostos a luzes com componente azul tinham um risco duas vezes superior de vir a sofrer de cancro da próstata e 1,5 vezes superior de sofrer de cancro da mama, quando comparados com as populações menos expostas à componente espectral azul da luz. Concluiu-se também que as pessoas que vivem em casas com quartos mais escuros – com recurso a estores eficientes – têm também um risco menor de vir a sofrer de qualquer uma destas doenças, quando comparadas com as pessoas que têm quartos muito iluminados.

Para Ariadna Garcia, investigadora do ISGlobal, determinar se a luz artificial nocturna aumenta ou não o risco de cancro da mama é um assunto de “saúde pública”, dada a sua ubiquidade, mas salvaguarda que são necessários estudos adicionais, em entrevista ao La Vanguardia.

A luz de espectro azul é emitida pela maioria das fontes LED de cor branca e pelos ecrãs de smartphones e tablets – cujos fabricantes, cientes do impacto negativo que pode ter no ritmo circadiano, já incorporam um “filtro de luz azul” na tentativa de anular os tons azulados com tons amarelos. Quanto aos LED de cor branca, a sua “eficiência energética” têm ditado que sejam os preferidos na hora de mudar de lâmpadas na maioria dos municípios portugueses. Em Portugal, em 2017 pelo menos 5% dos focos de luz pública usavam luz LED e o número tende a aumentar. Valongo é o município português que é citado como exemplo na introdução da iluminação pública LED: o projecto em curso indica que 16 mil luminárias convencionais (sódio de alta pressão e mercúrio) serão substituídas por luminárias LED.

“Os LED brancos também são apresentados aos municípios e aos cidadãos como o último grito da tecnologia, da eficiência e da poupança”, escreveu Raul Cerveira Lima, professor da Escola Superior de Saúde do Politécnico do Porto, num artigo para o PÚBLICO, em 2017, mas com a omissão dos “aspectos negativos decorrentes de investigação científica”, como a interrupção da secreção de melatonina ou o aumento da poluição luminosa das cidades. 

Não há estudos em Portugal que relacionem o aumento da incidência de cancro com a utilização de luz artificial. Há, sim, estudos que relacionam a luz artificial com a qualidade e os problemas de sono.

“Ainda há muito a saber e muito a melhorar nestes estudos”, avalia Raul Cerveira Lima, em conversa com o PÚBLICO. “O facto de toda a gente hoje viver com luz artificial é em si uma limitação. Não há uma população de controlo que não viva com luz artificial”, explica. “O importante sobre este estudo é que é independente, com uma amostra também ela independente e com resultados que apontam mais uma vez numa certa direcção. Nenhum estes estudos vai ser conclusivo, mas o somatório irá indicar se a luz artificial é potencialmente cancerígena ou não.”

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