Macron regressou com pouco. Merkel corre um risco ainda maior

Depois de Macron, a chanceler vai tentar a sua sorte junto de Trump, com o comércio como ponto central. O Presidente acusa-a de três “pecados capitais”: era a preferida de Obama, tem um enorme excedente comercial com os EUA, gasta pouco com a defesa.

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Merkel e Trump, uma relação conturbada Reuters

Emmanuel Macron terminou na quarta-feira uma visita de Estado de três dias a Washington. Angela Merkel terá esta sexta-feira uma visita de trabalho de três horas. O Presidente francês veio decepcionado com os resultados, apesar dos gestos de amizade do seu homólogo americano. A sua visita foi essencialmente sobre política internacional. A da chanceler alemã terá um objectivo central: combater a tentação proteccionista do Presidente norte-americano, particularmente lesiva para a Alemanha e para a sua poderosa máquina exportadora.

Merkel não terá a recepção calorosa do Presidente francês, porque Donald Trump a acusa de três “pecados capitais”: era a preferida do seu antecessor, Barack Obama; o seu país tem um excedente comercial gigantesco com os Estados Unidos; mantém um orçamento de Defesa (1,2 %), muito longe do compromisso de 2 % estabelecido pela NATO.

Trump é particularmente “sensível” ao dinheiro que os EUA pagam pela segurança europeia. Quer que os aliados europeus paguem mais pelo “serviço” prestado. A chanceler comprometeu-se com o cumprimento da meta (em 2024), mas a ideia não é consensual dentro da coligação que lidera em Berlim. A defesa da relação transatlântica continua a ser uma constante dos seus discursos. Recentemente, referiu-se a ela como “um tesouro que temos de preservar com todo o cuidado”. Mas há também uma tendência no debate alemã que defende a “emancipação” da Alemanha dos EUA, reforçando em contrapartida a sua liderança europeia. Nem uma coisa nem outra são fáceis de pôr em prática. Berlim não pode abrir um conflito com Paris por causa da reforma do euro, e outro com Washington por causa do seu Presidente.

O excedente

A poderosa máquina exportadora alemã tem, no mercado americano, um dos seus principais destinos. O excedente comercial alemão atinge hoje os 6% ou 7% do PIB (em 2015, era de 8,7%, o equivalente, em dólares, aos da China e do Japão somados). É um fardo, não apenas para os EUA mas para muitos dos seus parceiros europeus. O receio imediato da chanceler são as tarifas que a Administração americana impôs às importações de aço e de alumínio, suspensas no que diz respeito à Europa, ainda que só até ao dia 1 de Maio. O objectivo da Administração americana é forçar os seus parceiros comerciais a sentarem-se à mesa das negociações. Macron, antes de rumar a Paris, defendeu um “comércio livre e justo”, mas acrescentou que “uma guerra comercial entre aliados não é consistente com a nossa missão, com a nossa história, com os nossos compromissos em matéria de segurança global”.

Até recentemente, lembra o Wall Street Journal, “o comércio entre a União Europeia e os EUA estava mais ou menos equilibrado, com alguns países europeus a registarem um défice comercial, a começar pelo Reino Unido”. Tal como em relação à Europa, a chanceler não tenciona mudar as escolhas económicas do seu país, que passam por um elevado nível de poupança e uma grande capacidade exportadora, incluindo em investimento fora da Alemanha. Mas dirá a Trump que a Europa está disponível para iniciar rapidamente uma negociação em matéria de trocas comerciais, que poderia levar à abolição de todas as tarifas industriais entre os dois maiores espaços económicos do mundo. Seria uma espécie de regresso, muito menos ambicioso, à Parceria Transatlântica para o Comércio e o Investimento (TTIP), iniciada por Obama e anulada pelo seu sucessor.

Cecilia Malmstrom, a comissária europeia do Comércio, diz-se disponível (a União Europeia tem uma única política comercial), mas vai um pouco mais longe, insistindo em que a abertura de eventuais negociações deve depender da anulação das tarifas para o alumínio e o aço. Esta quinta-feira, em Bruxelas, havia a ideia de facilitar as importações de carne dos EUA, aumentando a sua quota, mesmo que a tarefa não seja fácil, de acordo com as regras da OMC (quando abre para um, tem de abrir para todos). Trump queixa-se insistentemente dos limites impostos pela Política Agrícola Comum (PAC). Ninguém alimenta grandes expectavas de um acordo durante a visita de Merkel.

Emmanuel Obama

Emmanuel Macron foi recebido no início da semana em Washington com honras de Estado e sucessivos gestos de amizade e, mesmo assim, conseguiu muito pouco, em particular no dossier do Irão, como ele próprio reconheceu antes de regressar a Paris. Ficou sem saber o que tenciona fazer o seu homólogo americano. A data limite para o prolongamento do levantamento das sanções, previsto no acordo, é 12 Maio. Se Trump não o prolongar, o passo seguinte deverá ser o seu abandono, com consequências internacionais que Macron considera “graves”. O Presidente francês teve a oportunidade, que não perdeu, de falar perante o Congresso americano num longo discurso em que não poupou Donald Trump. Combateu com toda a veemência o nacionalismo, o isolacionismo ou a decisão de rasgar um acordo com o Irão, antes de ter outro aprovado. Defendeu o multilateralismo na ordem internacional, lembrando que foram os EUA que o criaram depois da II Guerra e desafiando-os a reconstrui-lo, em vez de ajudar a destrui-lo. Como escreve alguma imprensa americana, foi um “verdadeiro discurso do Estado da União de … Barack Obama”.

O lugar das História

A História foi a grande protagonista da visita de Macron. A França é o mais velho aliado dos Estados Unidos, desde a proclamação da independência contra os britânicos. Mas ela também está sempre presente na relação da Alemanha com a América. Aqui, são os alemães que estão em dívida. Os EUA foram determinantes na derrota do nazismo e no regresso da Alemanha ao concerto das nações civilizadas. Foram eles que garantiram a defesa da sua fronteira Leste contra os tanques e os mísseis soviéticos.

Quando, em 24 de Junho de 1948, a União Soviética decidiu cortar qualquer acesso a Berlim Ocidental, tentando obrigar americanos, britânicos e franceses a desistir da sua defesa, enfrentaram a maior ponte aérea de sempre, organizada pela força aérea americana e britânica, garantindo o abastecimento dos berlinenses, dos combustíveis à alimentação. O bloqueio durou dez meses. Foram realizados 200 mil voos. Merkel, porque veio do Leste, é mais sensível ao papel da América na queda do Muro e na unificação alemã. A chanceler pode não ter o entusiasmo e a visão do seu parceiro francês, mas tem a seu favor uma larga experiência política e não costuma intimidar-se perante “homens fortes”. Putin aprendeu a lição. Mas, tal como Macron, também precisa de resultados.

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