As raparigas devem fazer dieta, os rapazes têm de jogar bem futebol: tudo pela integração

As raparigas têm de fazer dieta e os rapazes nunca podem abraçar um amigo. Investigação comprova que os jovens exigem uns dos outros comportamentos definidos como adequados ao seu sexo, causando-lhes ansiedade e sofrimento

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Jovens exigem estes comportamentos, apesar de individualmente não concordarem com essas regras Joana Van Hellemond

Os jovens exigem uns dos outros comportamentos definidos como adequados a rapaz e rapariga, causando ansiedade e sofrimento, mas, individualmente reconhecem não concordar com essas regras de integração, defende a investigadora Maria do Mar Pereira.

“É fundamental que estas questões [relacionadas com a masculinidade e feminilidade] sejam tratadas urgentemente porque o efeito que têm na vida dos jovens, todos os dias, causando-lhes ansiedade, dor, violência, tornando-os confusos, fazendo com que se sintam mal consigo próprios ou com falta de auto estima é premente e decisivo”, disse à agência Lusa a investigadora.

Actualmente professora na área de estudos de género, na Universidade de Leeds, no Reino Unido, a investigadora estudou 23 rapazes e raparigas, de 14 e 15 anos, de uma escola de Lisboa, trabalho que será publicado em livro ("Fazendo Género no Recreio: A Negociação do Género e Sexualidade entre Jovens na Escola"), pelo Instituto de Ciências Sociais, em Janeiro. “Costumamos pensar que a masculinidade e a feminilidade são coisas biológicas, mas a verdade é que são coisas sociais, construídas pelas sociedades de muitas formas, principalmente através de normas, dizendo às pessoas têm de se comportar assim, não se podem comportar assado”, explicou.

Esta situação acontece todos os dias nas escolas portuguesas e a especialista referiu que “os jovens e as jovens vão tentando adaptar o seu comportamento para serem bons homens e boas mulheres e isso causa-lhes enorme sofrimento, enorme angústia, envolve violência, marginalização”. Maria do Mar Pereira, que acompanhou os jovens, em grupo e individualmente, quando estava no ISCTE, dá alguns exemplos de atitudes para ilustrar o esforço de integração da parte dos mais novos.

A pressão social

Para as raparigas, um dos comportamentos exigidos relaciona-se com o corpo e os comentários sobre dietas e aquilo que não se deve comer (a forma como estão “gordas”) são frequentes. Quanto aos rapazes, “é muito importante ser respeitado”, o que implica coisas como jogar bem futebol, lutar para defender a sua honra, não demonstrar ser fraco ou vulnerável e se um deles “não encaixa nesta descrição”, embora até simpatizem com ele, cada um dos rapazes sente-se obrigado a gozá-lo porque acha que é isso que é esperado. Assim, os jovens “não só se sentiam pressionados no seu comportamento, mas também se sentiam forçados a gozar com outros colegas que não encaixavam para poder demonstrar que faziam parte do grupo dos rapazes respeitados”, conclui Maria do Mar Pereira.

Para a investigadora, é essencial trabalhar com os jovens, com os professores, com os meios de comunicação e com toda a sociedade, criar espaços para que possam pensar criticamente. Isto pode fazer toda a diferença pois significa que as pessoas podem encarar a sua masculinidade e feminilidade de forma mais livre, reduzindo a ansiedade e violência.

Uma observação “muito forte” da parte da especialista é que “cada um destes jovens não estava contente" — "todos sentiam uma enorme pressão para se integrar e todos achavam que os colegas esperavam deles certas coisas, mas em privado cada um dizia que não gostava da situação e preferia poder expressar-se de forma mais livre". Ou seja, "só não o fazia por causa dos outros”.

Maria do Mar Pereira falou com os jovens e transmitiu que nenhum deles, individualmente, defendia que os rapazes não devem chorar, que as raparigas devem estar sempre a fazer dieta ou que é mau um rapaz abraçar um amigo e, no entanto, todos gozam com quem faz isso. “Em conversa aperceberam-se que é absurdo, nenhum quer isto mas todos estão a contribuir para mantê-lo e acabaram por mudar os seus comportamentos na turma para serem mais abertos e compreensivos”, salientou.

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