A arte de rua tem direitos de autor?

A utilização de uma imagem por terceiros para fins comerciais e sem autorização é uma violação directa dos direitos de autor, diz Reinaldo Correia, licenciado em Direito. "As marcas estão atentas a culturas alternativas", assina MAISMENOS

O graffiter responsável pelo projecto MAISMENOS destaca o interesse das marcas na streetart Pedro Cunha
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O graffiter responsável pelo projecto MAISMENOS destaca o interesse das marcas na streetart Pedro Cunha
Fernando Veludo/nFactos
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Fernando Veludo/nFactos

A street art, considerada por muitos como vandalismo, é cada vez mais vista como inspiração. Muitas vezes considerado ilegal, actualmente este género de arte urbana passa de muro em muro para áreas como a política, a fotografia e a moda. E muitas vezes sem autorização.

Segundo Reinaldo Correia, a lei portuguesa protege a street art como qualquer outra obra, mesmo quando não está registada. Licenciado em Direito com LLM pela Universidade de Londres, Reinaldo Correia realça que "o código de protecção dos direitos de autor é vasto: vai desde a escultura, à arquitectura, obras gráficas, gravuras" e inclui, também, os graffitis e stencils. "Portanto, existem direitos de autor no graffiti", diz.

Reinaldo Correia comenta o exemplo da composição "Eu Quero É Ser Feliz" e o coração, que foi usado como stencil por Maria da Felicidade, como vinil por Ana Nogueira (proprietária da página "Fotos de Rua") em parceria com a Culto Decor, e no desfile de moda de Nuno Gama. Relativamente a Maria da Felicidade e Nuno Gama, ambos teriam de apresentar provas de que criaram esta composição, para se concluir se existiu ou não violação dos direitos de autor. No caso da utilização da imagem pela "Fotos de Rua" e a Culto Decor, que admitem ter replicado o stencil, Reinaldo Correia afirma ter havido uma "usurpação".

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A arte de rua de Banksy é das mais comercializadas actualmente DR

A lei portuguesa indica que a foto de uma obra como esta, exposta ao público, poderá ser livremente utilizada por outras pessoas que não o autor para fins privados. Contudo, e salientando que a artista teria, igualmente, de provar a autoria da obra, Reinaldo Correia explica que a utilização da imagem por terceiros para fins comerciais e sem autorização será uma violação directa dos direitos de autor. Ao contrário dos monumentos ou esculturas, o graffiti não é considerado algo público. "Independentemente de o desenho ter sido feito numa parede pública ou privada, de ser ou não autorizado, o artista tem sempre direito de autor sobre ele."

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Frase e um coração foram utilizados num stencil, vinil e numa t-shirt DR

E isto acontece, mesmo quando a obra não está assinada ou não é possível identificar o seu criador. "Porque todas as obras têm um autor, e o autor é o criador intelectual da obra, podendo ser mais fácil ou difícil de o identificar". Assim, refere Reinaldo Correia, "sendo que a obra está protegida, se alguém utilizasse isso para fins comerciais, teria sempre de pedir autorização a um titular e, segundo diz a legislação, pagar uma compensação ajustada."

Além disso, na utilização da obra que Maria da Felicidade diz ter criado, terão sido violados mais direitos da artista: o direito patrimonial de reprodução, uma vez que foi comercializado em massa, e o direito de adaptação, já que o suporte inicial da obra era um stencil e foi alterado, passando para fotografia e depois para vinil. "Tudo isso são coisas que o autor tem de autorizar."

Uma forma de pirataria

A street art tem ganho cada vez mais notoriedade em diferentes meios. "As marcas estão atentas a culturas alternativas", dá como exemplo Miguel Januário.

Este artista é responsável pelo projecto "MAISMENOS" e uma das intervenções urbanas que tem no seu currículo é o desenho dos símbolos + e - numas quantas paredes de Portugal. Recentemente, uma cadeia de lojas de roupa lançou uma campanha utilizando a mesma imagem e com um design que faz lembrar tinta a escorrer. "À partida, não acredito que tenham feito aquilo por causa do "MAISMENOS", afirma Miguel Januário.

O autor admite que não gostava que uma obra sua fosse utilizada para fins comerciais. Contudo, refere o exemplo de outro street artist. "O Banksy não vende merchandising. Mas em Londres, há lojas com peças do Banksy à venda. Ele não ganha nada com aquilo, porque é pirataria das coisas que ele deixa na rua. No entanto, também não os pode processar porque a autoria é dele, mas aquilo já pertence à rua", considera.

Para Maria da Felicidade, "a arte de rua não pertence a ninguém, e as pessoas aproveitam-se um pouco disso". E acredita que, "por ser ilegal, outros podem usar essas obras legalmente ou até registá-las como sendo deles, porque as pessoas que as fizeram na rua não podem fazer nada".

Reinaldo Correia salienta que as questões de direitos de autor relativas ao graffiti não chegam, muitas vezes, a uma conclusão em tribunal, já que os street artists não querem ser identificados. "O graffiti constitui o crime de dano, que é relativamente sério, e basta apenas ser apresentada uma queixa", afirma, acrescentando que, "aí entram os prós e contras: valerá a pena exercer os seus direitos como autor?"

Reinaldo Correia refere, ainda, que não será só o artista com receio de ser punido: "os donos da parede ou quem comercializa também têm receio porque pensam que usurparam um trabalho e que vão ter de pagar uma indemnização elevada". Por isso, casos de utilização de arte de rua sem autorização terminam, muitas vezes, em acordos particulares entre as partes envolvidas. Isto, quando os street artists não preferem esconder a sua identidade.

Banksy, por exemplo, preserva a anonimidade. Mesmo assim, o site deste street artist tem uma secção para compras onde se lê: "podes fazer o download do que quiseres deste site para uso pessoal. Contudo, fazer a tua própria arte ou merchandise e partilhá-la como sendo algo 'oficial' ou como uma obra de arte original do Banksy é mau e muito errado."

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