Depois da Democracia, o que aí vem?

Quando toda uma geração se sente desesperada inevitavelmente irá exigir uma mudança

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Rui Gaudêncio

Nos últimos dois anos, temos assistido a manifestações públicas majestosas, um fenómeno que embora cíclico não deixa de ter, a cada momento, características próprias.

Se é normal que manifestações tomem lugar em momentos de crise e insatisfação social, não é tão frequente que tais manifestações sejam motivadas pela insatisfação de uma geração e, não apenas, de uma classe social.

Apesar da educação ter conhecido, não só em Portugal como no mundo, melhorias significativas nas últimas décadas, tal conhecimento e saber não se tem vindo a traduzir num acesso a oportunidades nem consegue corresponder às expectativas que foram geradas nos jovens, comprometendo o maior legado civilizacional possível de atingir: que as gerações seguintes vivam melhores do que as anteriores.

Ora a combinação destes dois factores, reconhecendo esta como a geração, efectivamente, mais qualificada de sempre, e o facto de estar seriamente em causa, pela primeira vez, a consagração de um legado geracional, o qual corresponde a uma melhoria de vida dos jovens, tem como consequência um aprofundar dos sentimentos de desilusão e desespero com consequências que não estão a ser consideradas devidamente no que respeita, pelo menos, na qualidade da democracia.

Acontece que quando toda uma geração se sente desesperada inevitavelmente irá exigir uma mudança, mas ao contrário do que acontecia no passado, possuiu agora conhecimento e ferramentas de saber que lhes permitem encontrar formas alternativas de exercício de poder e organização, acabarão, mais tarde ou mais cedo, por fazê-lo notar.

O vertiginoso hiato entre a ausência de escolaridade e aqueles que tinham escolaridade e conhecimento, no que diz respeito ao acesso a melhores condições de vida, embora continue a existir, tem vindo a diminuir.

A consequência de tal realidade será, a breve prazo, uma aliança das novas gerações, entre aqueles que viviam ou vivem mais excluídos e sem condições e educação/formação, com aqueles que desempenham tarefas para as quais têm muito mais qualificação do que seria necessário, uma vez que ambas as faixas descritas vivem condições de ansiedade e desespero.

O saber presente e disponível neste segundo grupo, permitirá a toda uma nova geração interpretar arquitecturas de organização inovadoras que corresponderão a mecanismos eficazes da melhora das suas condições de vida, de representatividade e que servirão de catalisadores da mudança que aspiram.

Deveremos ainda tomar em consideração, o facto de o exercício de poder ser feito com base num eleitorado político fiel aos dois Partidos Políticos em Portugal, PS e PSD, com idades superiores a 40 anos, com um significativo impacto político de voto dos funcionários públicos, sendo o resultado disto um contrato eleitoral com as gerações mais velhas, em detrimento das gerações mais jovens.

Como tal, a manutenção dos direitos e garantias daqueles que estabelecem o “contrato eleitoral” é favorecido sobre os mais jovens, sendo que a manutenção dos níveis de conforto destas gerações poderão comprometer o presente e o futuro das novas gerações.

Os mecanismos formais de representatividade política, sejam eles partidários ou não, terão de fazer o impossível: uma reforma urgente do seu funcionamento, dos seus intérpretes e das soluções que preconizam, considerando os direitos dos jovens e assumindo como valor essencial a justiça inter-geracional, sob pena de num futuro próximo uma nova ordem e regime se constituir, com consequências, seja para bem ou para mal, para a democracia.

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