“From Portugal With Love”, para cultivar o “turismo do sarcasmo”

Os postais de Laura Alves mostram aos turistas (e não só) um outro Portugal. Um Tumblr que nasceu no cinema, uma alternativa aos cartões de visita tradicionais

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Orgulha-se de ser a melhor agente de turismo que um país pode ter — e parece que não há aqui falsas modéstias. "From Portugal With Love", tumblr de Laura Alves, jornalista e produtora de 34 anos, detentora de um "sentido de humor retorcido", mostra um país "feito de preciosidades", onde há tantas maneiras de cozinhar bacalhau como formas de corrupção, onde até o Galo de Barcelos precisa de um emprego (para comprar a sua maquilhagem). Nestes postais vive "um Portugal pitoresco que ri de si próprio e das suas fragilidades económicas, políticas e sociais".

És a melhor agente de turismo que um país pode ter?

Como sou uma rapariga muito modesta, ia responder «Claro que não!». Mas como acabei agora mesmo de beber um café e os neurónios começaram a despertar, vou responder que sim. E porquê? Porque o turismo não deve limitar-se ao património e à cultura. A um estrangeiro que venha de férias a Portugal, para conhecer minimamente o país, basta-lhe comprar um daqueles guias todos catitas que acabam todos por dizer o mesmo. Mas que guia proporciona este temperozinho, este lado oculto? Então não é interessante saber que o Galo de Barcelos, por causa da crise, não tem dinheiro para as pinturas? Ou que o típico caracol, petisco apreciado no Verão, é um animal um bocadinho lento, tal como a nossa economia? Ou até mesmo que andar de eléctrico em Lisboa é uma diversão à maneira — especialmente para os carteiristas? Ou que temos tantas maneiras de cozinhar bacalhau como de formas de corrupção? Resumindo, Portugal também é feito destas pequenas preciosidades. E creio que qualquer turista gostará de conhecer as pérolas que nós tanto fazemos questão de varrer para debaixo do tapete. Digamos que estou a cultivar uma espécie de turismo do sarcasmo...

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Quando é que foi que olhaste para um ingénuo postal português e percebeste que faltava ali qualquer coisa?

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Já não me recordo muito bem do mês, mas terá sido no final de 2011. Lembro-me perfeitamente de onde estava: numa sala do cinema King à espera do início da sessão. No meio dos meus pensamentos deu-se uma faísca. Eu gosto muito da estética "kitsch", e pensei que seria interessante pegar nos postais que vemos à venda por aí, em quiosques e papelarias — alguns deles já muito antigos, com design indescritível, outros mais modernos e cheios de efeitos de "photoshop" — e acrescentar-lhes frases e comentários irónicos, relacionados com a própria imagem do postal. Quem me conhece sabe que eu tenho um sentido de humor retorcido, nem sempre apreciado ou compreendido (“with great power comes great responsability”, não é verdade? :D) Então, naqueles minutos antes de começar o filme tomei logo algumas notas num papelito que tinha na carteira, porque me tinha esquecido do bloco de apontamentos. Quando saí do cinema estava em pulgas e fui logo à net ver se alguém teria já feito isto, se o nome “From Portugal With Love” estava já tomado por alguém no Tumblr... O objectivo nunca foi criar postais de raiz, mas sim reutilizar e reinventar postais que existem de facto por aí.

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Já os coleccionavas?

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Laura Alves, de 34 anos, é beirã, mas vive em Lisboa DR

Em miúda coleccionava postais, mas foi um hábito que se foi diluindo com o tempo. No entanto, continuo a ser fanática por imagens "kitsch". Gosto da portugalidade estereotipada que é veiculada pelos canais de turismo. Gosto da estética do provincianismo. Tenho a casa cheia de coisas que não interessam para nada: fotografias, quadros, revistas, latas, velharias... Alguns dos postais que uso no “From Portugal With Love” já os tinha lá por casa, outros vou comprando pelas ruas de Lisboa, nos quiosques e lojas de "souvenirs". Já tive alguns postais oferecidos por amigos. E outros vou encontrando na Internet, sobretudo os mais antigos que não se encontram à venda. Se nunca o fizeram, desafio-vos a perder alguns minutos a observar os postais que se vendem nas ruas e que são o nosso cartão de visita para os turistas. É um processo que vai da gargalhada à emoção.

Os turistas estão a comprar os postais errados?

Não, não estão. Os turistas têm de comprar os postais tradicionais para depois, quando encontrarem os meus, perceberem que há outro Portugal: um Portugal pitoresco que ri de si próprio e das suas fragilidades económicas, políticas e sociais. Pode ser que, um dia, os Pastéis de Belém ofereçam um dos meus postais na compra de meia dúzia de pastéis... Seria bonito. :)

Já alguma vez te disseram que andas a brincar com coisas demasiado sérias?

Agora emocionei-me. A sério. Obviamente, este projecto começou por ser uma brincadeira. Mas por vezes apetece-me brincar de forma mordaz. Sim, alguns dos meus postais tocam em feridas que continuam abertas. A quantidade de idosos que morrem sozinhos em casa, sem que ninguém se preocupe com eles em vida. A forma como a religião e a passividade continuam a estar presente em muitos aspectos da sociedade, em vez de algo que na minha perspectiva seria mais positivo: a acção e a auto-responsabilização. Eu acho que transformar actos e situações terríveis numa espécie de humor — o conceito de humor é sempre muito discutível, eu sei —ajuda a que vivamos melhor connosco próprios e com os outros. Há quem considere insensibilidade. Eu não acho que seja. É uma forma de lidar com as adversidades. Se os meus postais mais “fortes” causarem comichão a algumas pessoas, óptimo. É porque estou a fazer algo bem.

Qual é o que melhor apresenta Portugal?

Ui... São tantos, e tão diferentes. Tenho um carinho especial por diversos postais que ainda agora me continuam a fazer rir. Não sei se é o postal que melhor apresenta Portugal — há outros muito catitas, modéstia à parte — mas o primeiro postal [à esquerda] que coloquei no site, o da velhinha com ar patusco, é um postal que me emociona, pelo calor e simplicidade que a senhora transmite. Portugal ainda é aquela imagem em tantos sítios; basta sair um bocadinho das grandes cidades para nos apercebermos que há quem viva alegre com tão pouco. Mas uma imagem tão prazenteira estava mesmo a pedir uma provocaçãozinha envolvendo chineses e electricidade...

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