Quinze reclusas e vocalista dos Clã na Assembleia da República

"Há um desfasamento enorme, um desligar da realidade e daquilo que as pessoas são e aquilo que o país efectivamente é", diz Manuela Azevedo, que participou na peça “Inesquecível Emília”

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Paulo Pimenta

Quinze mulheres de várias nacionalidades, reclusas da cadeia de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, vão apresentar, na quinta-feira, uma peça de teatro na Assembleia da República, que contou com a participação de Manuela Azevedo, dos Clã.

“Inesquecível Emília” é o nome da peça que parte da experiência das próprias reclusas e é uma iniciativa da PELE, uma associação de intervenção social pela cultura, tendo já sido representada em Fevereiro no interior do estabelecimento prisional.

Manuela Azevedo, que trabalhou na peça e vai participar no espectáculo, diz que, às vezes, na Assembleia da República (AR), parece “que há um desfasamento enorme, um desligar da realidade e daquilo que as pessoas são e aquilo que o país efectivamente é”. Por isso, afirmou à Lusa o importante que pode ser esta apresentação no parlamento: “Estas mulheres vão levar vida à AR, vão levar realidade nua e crua, de uma forma muito concreta e acho que isso vai ser um exercício muito interessante para os nossos deputados. Eles que vejam isto com um olhar muito atento e que lhes sirva de lição, não só para a realidade das prisões e da Justiça, mas também para outras realidades e para a vida que está ali”.

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Para Hugo Cruz, da PELE, o convite feito pela presidente da AR, Assunção Esteves, tem um “valor simbólico muito forte e o grupo está muito entusiasmado”. No “fundo, é tornar visível uma realidade, é dar um rosto às pessoas que estão presas em Portugal e é mostrar que estas pessoas são capazes de fazer coisas positivas”.

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A PELE quer chamar a atenção para a necessidade de uma maior continuidade “neste tipo de trabalho para que ele seja produtivo” e por isso pediram audiências aos diferentes grupos parlamentares para apresentar dois relatórios que referem as mais-valias que os vários trabalhos trouxeram “na certificação de competências destas 15 mulheres através de um projecto artístico”.

Para Manuela Azevedo, a oportunidade de participar no desafio da PELE “teve a ver com razões bastante egoístas”. “Interessava-me muito perceber outras disciplinas relacionadas com a performance, o teatro e todo esse trabalho criativo à volta da construção de uma peça e o facto de o poder fazer num local também particular, de privação de liberdade, era um convite que abria muitas curiosidades e muitas apreensões”, lembrou. “O que foi muito bom de perceber foi que, apesar de estar num espaço de privação de liberdade, o exercício era de liberdade total, de se inventar as coisas, de perceber como é que se podia contar as histórias que elas queriam contar e isso uma lição muito importante”, lembrou a cantora.

“Por mais que as pessoas estejam aprisionadas nas suas cadeias, nas suas decisões, umas mais evidentes que outras, há sempre a possibilidade de escapar, e arte e a criatividade são das melhores portas de fuga e de exercício de liberdade que a gente tem à mão” acrescentou.

A peça, descreve Manuela Azevedo, “é uma espécie de devaneio, que partiu de um exercício que foi passado às mulheres, que era de elas escreverem uma carta que achassem interessante receber ou remeterem”. Acabaram por fazer “um retrato da rotina e do dia-a-dia da vida de uma cadeia, mas passam por uma fuga para o sonho e por isso há uma dimensão de cabaret e de ‘glamour’ misturada nessa rotina mais dura e mais monocromática da cadeia”.

Para a vocalista acabou por ser uma “experiência muito enriquecedora”: “Foi muito simpático conhecer estas mulheres, muito interessantes, muito generosas na maneira como me receberam no meio delas, como me trataram como igual, sem distâncias nenhumas, sem desconfiança. Foi muito bom, uma lição de vida”.

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