João foi ao Optimus Alive e acabou na Malásia a estudar orangotangos e elefantes

Foi para a Malásia, andou na floresta e hoje está a fazer doutoramento

Macaco narigudo (fêmea) no Lok Kawi Wildlife Park, situado na cidade de Kota Kinabalu DR
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Macaco narigudo (fêmea) no Lok Kawi Wildlife Park, situado na cidade de Kota Kinabalu DR
Adriano Miranda
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Adriano Miranda

Quando os Rage Against The Machine foram anunciados para a edição de 2008 do Optimus Alive, João Alves começou logo a fazer planos. Não podia perder aquele concerto. Mal sabia ele que uma simples ida ao festival poderia render um bilhete de avião para a Malásia e a oportunidade de investigar orangotangos, elefantes, lóris e társios. 

Depois de um estágio curricular em Ecologia no Brasil e de terminar a licenciatura em Biologia Aplicada pela Universidade do Minho, João estava a desfrutar de umas merecidas férias. No carro de um amigo, a caminho do festival, ouviu, por acaso, na Rádio Universitária do Minho informações sobre um concurso para bolsas de investigação e ficou interessado.

Era o primeiro ano do projecto de responsabilidade social da Everything is New, promotora que, desde 2008, financia duas bolsas de investigação científica em Biodiversidade, Genética e Evolução para jovens recém-licenciados, numa parceria com o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC). Chegado ao festival, encontrou "flyers" no chamado "espaço ciência" do IGC (onde, este ano, mais uma vez, há "speed dating" com cientistas) e, de regresso a Braga, onde vive, decidiu concorrer mal abriram as candidaturas. Da entrevista ("que não correu nada bem") até ao anúncio dos resultados decorreu "menos de uma semana". 

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Manada de elefantes migra para norte de Sukau, no estado de Sabah DR

Malásia e o início do cientista

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A equipa (João à esq) atravessa o Rio Kinabatang, um dos mais emblemáticos do país. Destino

O ano de 2009 marcou assim o "início da carreira como cientista", diz João. Dos projectos que os investigadores do IGC tinham proposto, e que os bolseiros poderiam integrar, o jovem, na altura com 24 anos, tinha-se interessado por dois, ambos na área da Biodiversidade e Evolução — um em Madagáscar, outro na Malásia. Foi seleccionado para o segundo, com trabalho de campo na Ilha de Bornéu. A bolsa era (e é) em tudo semelhante às bolsas mistas da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Tem a duração de um ano e é remunerada: 745 euros por mês em Portugal, 1450 no estrangeiro. João ficou os três primeiros meses no IGC, em Oeiras, foi para a Malásia mais três e depois regressou para os últimos seis meses de "trabalho de laboratório, análise computacional, escrita de relatórios". 

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Praia em Palau Manukan, uma das ilhas pertencentes ao Parque Marinho Tunku Abdul Rahman (Kota Kinabalu, Malásia) DR

Em Bornéu, trabalhou com o orangotango, o elefante asiático e também com dois primatas nocturnos: o lóris lento e o társio. Envolveu muitas caminhadas pelas floresta, para "fotografar o máximo de espécies" e conhecer "a distribuição dos animais, o habitat preferencial, o comportamento social e as interacções". Era um trabalho de conservação, logo pressuponha o mínimo de contacto possível com os animais, recolhendo apenas amostras não evasivas como material biológico (fezes), que depois analisou geneticamente em laboratório. É um projecto de investigação tão grande, com tantas amostras e análises, que ainda hoje está a decorrer, já sem João, que no final do ano teve de se voltar para outras coisas, uma vez que esta bolsa não era, "logicamente", renovável. As últimas publicações estão para breve. 

Do doutoramento para o "speed dating"

E para onde? Para fazer o quê?

Quatro anos depois, João integra o programa doutoral GABBA e é investigador do Ipatimup e também do IGC, institutos onde trabalha em Biologia Evolutiva, mais especificamente na área dos rearranjos cromossómicos.

Sair do país depois do doutoramento é uma possibilidade

Em retrospectiva, a Bolsa Optimus Alive!Oeiras-IGC proporcionou-lhe, pela "primeira vez", fazer "trabalho como cientista a sério". "Foi a primeira vez que disse 'isto é o que eu quero fazer'. Obrigou-me a ler muito, a pensar nos resultados." Abriu portas. Não tem a certeza se, sem ela, teria sido seleccionado para o GABBA. "A minha nota de licenciatura não é alta, é de 14 valores. Se não a tivesse ganho, não estava tão ciente do que é fazer ciência. Isso ajudou-me porque já estava com um à vontade maior porque o meu conhecimento já tinha sido aprofundado", diz, recordando a entrevista de seleccção, onde discutiu com aquele que viria a ser o seu chefe. "Nunca se sabe, mas para mim foi, sem dúvida, um dos motivos pelo qual fui seleccionado para o programa doutoral.

Aconselha sempre os amigos a concorrerem, até porque nunca se "equaciona numa idade tão jovem fazer uma coisa tão absurda e fora do normal" como ir estudar animais para o outro lado do mundo. "Sempre gostei muito de Ecologia e Conservação, mas nunca pensei que fosse fazê-lo. É uma área difícil e complicada de entrar, principalmente em Portugal", conta. Ainda a estupefacção: "quando alguém te pergunta 'gostavas de ir para a Malásia trabalhar com espécies emblemáticas?', tu não pensas que vais".

Para breve estão algumas publicações relacionadas com o doutoramento, que termina, se tudo correr bem, em 2013. Depois, não sabe se regressa à Ecologia e Conservação ou se se mantém com os humanos na Biologia Evolutiva. Gosta das duas áreas, mas confessa que tem saudades do trabalho de campo. "Muito possivelmente", irá sair do país para tentar fazer um pós-doutoramento num "laboratório com bom enome internacional". Antes, e para breve, ainda passa pelo Optimus Alive, festival a que vai todos os anos, principalmente pelo cartaz. Destaca o concerto de Rage Against, claro, mas também de Iggy Pop, Vampire Weekend, Foo Fighters, Prodigy, Crystal Castles. E agora uma nota para potenciais "stalkers": é um dos investigadores que se pode conhecer nos encontros de "speed dating" do "espaço ciência" no recinto, onde fala do que é fazer ciência com quem se sentar à sua frente. Mas nunca trocou números de telefone.

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