Esta é a geração "Girls", a geração dos estágios não remunerados

"Girls" é uma série que fala de quatro raparigas em Nova Iorque, de sexo e da absoluta escassez de empregos. Um retrato possível do que é ser "twentysomething" hoje na América

Lena Dunham é a rapariga-prodígio de 25 anos que criou, escreveu, produziu e protagoniza Girls Carlo Allegri/Reuters
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Lena Dunham é a rapariga-prodígio de 25 anos que criou, escreveu, produziu e protagoniza Girls Carlo Allegri/Reuters
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A série "Girls", da norte-americana HBO, abre com Hannah Horvath (interpretada e escrita por Lena Dunham) a lidar com o anúncio do fim do apoio financeiro paterno, tentando provar que sim, será uma escritora de sucesso. "Acho que posso ser a voz da minha geração. Ou pelo menos uma voz. De uma geração." "Girls" tem a carga de representar com precisão o que é ser mulher jovem em Nova Iorque, mas também sexualidade, etnia e "zeitgeist" – que está inevitavelmente marcado pela crise económica e pela dificuldade de encontrar o primeiro emprego.

"Girls" é uma série produzida por Judd Apatow sobre Hannah e suas irmãs, perdão, amigas, quatro raparigas de 20 e poucos anos em Nova Iorque. Algumas têm trabalho, outras não, obséquio do movediço século XXI em que um estágio pode ser um emprego para a vida. Todas estudaram na universidade e são brancas. Umas têm namorado, outras não. Umas são virgens, outras entregam-se a jogos sexuais. Umas têm um estômago liso, outras têm curvas e contracurvas. Umas vêem "reality shows", outras "twittam" demais.

A série, cuja primeira temporada terminou 17 de Junho nos EUA e ainda não passa em qualquer canal em Portugal, foi notícia e tema de análise mesmo antes de nascer. Expectativas. "Girls" é filha de Lena Dunham, o prodígio de 25 anos que criou, escreveu, produziu e protagoniza a série, e reflecte uma fatia da realidade do que é ser "twentysomething" hoje na América — e, diga-se, um pouco pelo mundo ocidental de classe média. 

?O britânico "Guardian" foi um dos jornais a escrever sobre "Girls" antes de a série emergir nos ecrãs. Dunham e a sua comédia eram incluídas num trabalho sobre "a ascensão da 'slacker' (baldas) do sexo feminino", em que Dunham, uma admiradora confessa de Woody Allen, era equiparada a Kevin Smith e a outros criadores de imagens de homens em sofás, dependentes tardios dos pais ou simplesmente aconchegados numa nuvem de marijuana e trabalhos sem ambição. Os 25/30 minutos de "Girls", portanto, são um sintoma de muita coisa.

Arbitrariedades da vida pós-universitária

??A personagem de Hannah estagiava numa editora e decide, depois do ultimato paterno, dar o grito de Ipiranga. Saiu-lhe baixinho e caiu em ouvidos rotos — se ela não quer o estágio não remunerado a trabalhar 12 horas por dia, há mais quem queira. Tenta novos empregos. Para evitar os "spoilers", digamos apenas que encontra novos obstáculos, alguns dos quais difíceis de sacudir, como as mãos desejantes de um patrão. O seu interesse amoroso, Adam, parece passar o dia em casa em cuecas a mexericar em coisas várias mas sem um emprego das nove às cinco.

Será isto, possivelmente, aquilo a que a Amanda Ann Klein, professora assistente de Estudos de Cinema na Universidade de East Carolina, chama “arbitrariedades da vida pós-universitária”? Das profissões das suas três amigas sabemos pouco, mas uma delas decide, por exemplo, aceitar um trabalho como "babysitter" quando nada na sua vida lhe faria desejar isso — como se um encolher de ombros das ambições se tratasse.

A série tem um certo grau de crueza. Serve um "buffet" de situações desconfortáveis que, em comparações inevitáveis com "Sexo e a Cidade", nos permite fazer a nova geografia de Nova Iorque, com uma década de permeio. Carrie Bradshaw era colunista e escritora, Hannah é candidata a "mileurista" e quer ser escritora. Há aqui, como diagnosticou o "New York Times", um ajuste da cidade e da ficção a estes tempos de crise.

O território de Carrie e companhia (nos seus 30 anos) era Manhattan, os copos reluzentes e os jantares faustosos (como o sexo) ou as idas às compras, o trabalho em galerias de arte, a escrever para a Vogue, a ser uma advogada de sucesso ou uma relações públicas dos "glitterati". O terreno de Hannah e amigas (na casa dos 20 e poucos) é Brooklyn (com paragens em todas as estações da cruz "hipster", claro está), os empregos são pouco glamorosos (não há escritórios de vidro e metais brilhantes, há pilhas de papel e salas sem janelas), há cafés de comércio justo e roupas de lojas em segunda mão (pouco eróticas, como o sexo de "Girls"). E uma luta para pagar a renda, para comer, para não vender as expectativas ao licitador mais rápido, mas tudo com um certo desprendimento, com a constatação da inevitabilidade que ser jovem agora é isto: os pais hão-de ajudar, o futuro há-de vir.

E, ao mesmo tempo no meio disto tudo, a série passa na HBO, a meca da TV americana — um canal pago, e bem pago, "premium" e só para quem tem televisão por subscrição. Há muitas girls que não podem ver "Girls". Mas depois há a Internet.

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