Marcha Gay: a crise “cria medo” e dificulta a “saída do armário”

Em mais uma marcha do orgulho LGBT, falou-se da crise económica com preocupação. É que esta pode ser o pretexto ideal para retirar direitos e aumentar a discriminação

A iniciativa vai chegar pela primeira vez aos Açores este ano Martim Ramos
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A iniciativa vai chegar pela primeira vez aos Açores este ano Martim Ramos
Marcha gay desfilou pelas ruas de Lisboa pela 13ª vez Miguel Madeira
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Marcha gay desfilou pelas ruas de Lisboa pela 13ª vez Miguel Madeira

A crise económica acentua as desigualdades e entre a comunidade homossexual, que celebrou neste sábado, dia 23, mais uma marcha do orgulho gay, teme-se que este seja o pretexto ideal para retirar direitos e aumentar a discriminação. A marcha do orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgéneros) desfilou pelas ruas de Lisboa pela 13.ª vez, numa demonstração de apoio aos direitos desta comunidade, que serviu para chamar a atenção para assuntos sérios, no meio de uma festa de música e cor.

Ana Cristina Santos, porta-voz da associação Não Te Prives, um dos 20 colectivos que se juntaram à ILGA na promoção da iniciativa, sublinhou que o trabalho feito nos últimos anos permitiu “avanços notáveis” a nível jurídico (o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a lei da identidade de género, o reconhecimento do crime de violência doméstica entre parceiros do mesmo sexo ou a proibição da discriminação com base na orientação sexual), mas considerou que ainda há muito por fazer.

“Continua a haver redutos de homofobia em várias destas esferas, inclusivamente na lei. A questão da parentalidade é a mais óbvia, mas esses redutos não se esgotam na lei. Continuam a reproduzir--se muitos estereótipos, muita exclusão, muita desigualdade”, declarou. E a crise pode contribuir para agravar o cenário, até porque, observou, “a austeridade não se faz sentir sobre as pessoas de forma igual”.

Jovens são os mais afectados

Ana Cristina Santos afirmou que há “grupos que são afectados de forma mais gravosa por esta crise” e deu como exemplo os jovens para quem o corte nos apoios ao arrendamento e à aquisição de casa significa adiar a saída de casa dos pais. “Com esse adiamento, as questões relacionadas com a autonomia sexual e íntima ficam comprometidas, as pessoas vão sair do armário mais tarde”, vincou.

Para a responsável da Não Te Prives, a crise põe em causa outros direitos que não apenas os dos homossexuais, já que “as várias desigualdades estão interligadas”. Ana Cristina Santos defende que os “ecos conservadores” que começam a ouvir-se põem em causa conquistas que dizem respeito a todas as pessoas, como o divórcio, a procriação medicamente assistida ou o aborto, e que estão ameaçadas neste contexto de crise.

“O discurso conservador demagógico acaba por colar: estamos numa altura em que temos de gerir os recursos de forma parcimoniosa, e isso é uma desculpa perfeita para discriminar. Nós dizemos não, em desigualdade económica, não vamos aceitar desigualdade social”.

Marcha estende-se a cada vez mais cidades

João Carlos, um dos voluntários da marcha que marcou presença no Príncipe Real, ponto de partida para o desfile concorda que a crise pode fazer aumentar a discriminação: “É sempre um perigo. Nós estamos com uma visão optimista do futuro e do mundo e é para esse mundo melhor que queremos caminhar, mas sempre que há um processo de crise, cria medo e há tendência para as pessoas se abrigarem em imagens paternalistas que normalmente são autoritárias e podem tirar direitos a toda a gente”.

Também Carlota, uma jovem de 25 anos que participa habitualmente na marcha, acredita que a crise pode ter impacto nesta comunidade porque implica “pôr de lado estas questões” e dar relevância a outras “que supostamente são mais importantes. “Temos muita pena e também estamos aqui a lutar para que isso não aconteça”, enfatizou.

Já António, que surgiu pintado com as cores do arco-íris para mostrar “o orgulho de ser homossexual”, não acredita que a crise venha a afectar os seus direitos. “Nunca! Somos cidadãos e temos os mesmos direitos”, gritou, para se fazer ouvir sobre os ruidosos tambores que animavam a festa, onde eram também visíveis cartazes e faixas com ‘slogans’ activistas como “Famílias: Todas diferentes, todas iguais”.

A iniciativa tem sido descentralizada nos últimos anos e desde 2010 existem marchas em Coimbra, Lisboa e Porto. Este ano chega também aos Açores. “Significa que há mais receptividade e isso é importante. Significa que estamos a contribuir para a mudança de mentalidades, gota a gota, marcha a marcha, mas não é em vão”, comentou Ana Cristina Santos.

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