Roberta Medina: falta um acordo laboral entre Portugal e Brasil

Já não é "a filha de Roberto Medina". Em Portugal desde 2003, a cara (e o cérebro) do Rock in Rio Lisboa tornou-se muito popular como júri dos Ídolos. Com o P3, falou de uma geração "desenrascada" que é necessária no Brasil, mas "sem deslumbre"

Este ano, Roberta espera manter ou superar os números da edição de 2010 — 330 mil pessoas DR
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Este ano, Roberta espera manter ou superar os números da edição de 2010 — 330 mil pessoas DR
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É como um “cubo mágico”, descreve. Roberta Medina é sempre Roberta Medina, mas, tal como o quebra-cabeças, há que chegar à face certa. A empresária de 34 anos até pode ter fama de “fera” — não sabe lidar com o incumprimento de prazos, confessa: “um móvel que deveria chegar em 45 dias chega ao fim de cinco meses? Como assim?” — mas a meio da entrevista via Skype chega a ligar a “webcam” só para mostrar peluches do Mickey e (pelo menos dois) do Stitch. Chegou a Portugal em 2003 para fazer a primeira edição do Rock in Rio Lisboa e identificou-se tanto que acabou por ficar. Mudar de país é “delicioso”, por isso até pode acontecer. O que importa é que “o ninho” vá com ela — o marido, Ricardo, e os “cachorros” Bambú e Tara. “O futuro chegou” ao Brasil e, por isso, Roberta alerta: “Cuidado com o deslumbre”. O acordo laboral transatlântico que sugeriu aos dois governos poderia ajudar.

Obteve sucesso num país onde muitos não conseguem encontrar reconhecimento. Como vê a sua geração aqui?

Acho que se juntou uma baixa auto-estima, um comodismo exarcebado com todo o paternalismo que o Estado foi assumindo — que não é um problema de Portugal, é uma realidade da Europa. Fazer qualquer coisa para sair dessa zona de conforto é saudável. Agora, aqui, as pessoas estavam numa bolha de conforto muito grande.

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O Rock in Rio Lisboa realiza-se a 25 e 26 de Maio e de 1 a 3 de Junho Rui Gaudêncio

Falta proactividade no português?

Eu vejo uma atitude muito diferente na geração mais nova. Menos lamento, mais atitude, mas ainda assim têm o vício de: “Alguém resolve o problema pela gente”. Mas, engraçado, eu acho que comparando com Espanha, um país que vinha crescendo há tanto tempo, eu acho que [Portugal] vai sair muito mais rápido da crise. O espanhol não sabe nem do que se trata. Eu acho engraçadíssimo quando falam que o português é o “povo do desenrasca” — bom, já se vê de onde o brasileiro saiu. Isto é uma mais-valia, não é uma coisa ruim. O “desenrasca” é uma atitude criativa e que busca solução. Uma coisa que se pode procurar são os negócios menores, mais focados nas economias locais. Já estamos a ver muitas “start-ups”, já se vê o pessoal se mexendo.

O que fazer quando se encontra a realização profissional aos 30 anos? Procurar novos desafios

Vê saídas para esta geração no Brasil?

Um dos destaques da edição de 2012 do Rock in Rio é a Rock Street, uma rua cenografada inspirada em Nova Orleães (EUA)

Sim, vejo, mas muito cuidado com o deslumbre. Deslumbre do brasileiro, deslumbre de quem olha de fora. É uma economia que tem tudo para se manter estável e forte. Desde que nasci, que ouço "Brasil, país de futuro" e, de repente, o futuro chegou. É uma experiência muito nova para um país que vivia numa instabilidade económica brutal. Eu devo ter passado umas cinco moedas diferentes. Se me perguntar, o Brasil está solucionável? Alto lá, “devagar com a louça”.

O preconceito em relação à mulher brasileira existe, mas Roberta nunca o sentiu

Que conselhos daria a um jovem português que quer ir para o Brasil trabalhar?

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O Rock in Rio Lisboa realiza-se a 25 e 26 de Maio e de 1 a 3 de Junho Rui Gaudêncio

Têm-me perguntado isso milhares de vezes — "arranja-me um emprego lá no Brasil!" Primeira coisa: ninguém arranja um emprego lá no Brasil. Se alguém quer arranjar um emprego, ou vai ter a sorte de ser contratado aqui para trabalhar lá, ou vai com o pé no chão. O Brasil não passa a ser a solução do mundo. Tem emprego, tem, mas não quer dizer que seja emprego que você quer. Pode ser que na sua área não seja muito fácil. Está disponível para trabalhar noutras áreas? Tem de pensar bem, de estar disposto a ir e passar dois, três meses a ir a entrevistas. O que é pena porque nem toda a gente se pode dar ao luxo de comprar uma viagem para o Brasil só para ver se dá certo.

Sei que tem feito alguns esforços para melhorar as relações entre os dois países a esse nível...

Eu tenho óptimas relações com os dois governos e sou provocadora. Existe um problema gigantesco no Brasil que é a falta de mão-de-obra qualificada. Para mim começou a ser muito óbvio que um lado precisa de mão-de-obra e o outro tem mão-de-obra sobrando, com uma grande mais-valia que é o idioma. Qual o cuidado fundamental nessa troca de “know how”, nessa troca de benefícios entre países? O Brasil não tem interesse em receber mão-de-obra estrangeira que fique lá para sempre. Qual é o objectivo do Brasil? Formar novas turmas de brasileiros e então gerar emprego. Qual é o objectivo de Portugal? Ter a mão-de-obra qualificada no país no momento em que a economia começar a recuperar. O que eu acho é que falta um acordo oficial onde o Brasil diz: “Eu quero mão-de-obra para estas determinadas áreas e por tanto tempo.” Isso já existe, não estou inventando nada. Em que é que é bom? Os vistos são feitos colectivamente para facilitar a vida de todo o mundo, garante o retorno no momento em que o país precisar, não sobrecarrega o país desertor.

E a Roberta tem pressionado para esse acordo?

Pressionado não. Quem sou eu para pressionar? Eu sugeri, enviei um exemplo para os dois lados e está na mão de quem tem essa responsabilidade. Eu sou inquieta. Assisti a uma coisa óbvia e tenho as pessoas certas para falar... eu tenho de falar. Para dormir sossegada.

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