“Ice Loves Coco”: televisão de 2012 com enredos de 1952 (e isso é bom!)

“Ice Loves Coco” não se distingue somente por apostar mais na ficção do que outros programas semelhantes. O que caracteriza o programa (e o que o torna enternecedor) é que os episódios têm enredo de "sitcom" dos anos 50.

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Gosto do Ice-T. No final dos anos 80 e início da década seguinte, produziu hip-hop de alta qualidade. A sua subsequente “carreira” como actor é de uma qualidade mais duvidosa, mas o seu ar de tio fixe em entrevistas — sempre a falar dos serões que passa a jogar X-Box — compensa o suficiente para que a curiosidade me atraísse àquele antro de decadência que é o canal E!, a fim de provar o novo "reality show" que o ex-MC produz com a sua esposa, “Ice Loves Coco”.

Já há algum tempo que a tendência deste género tem sido para se afastar da “realidade” nua e crua e apostar em produtos cada vez mais claramente pré-escritos. Isto nega não só os fãs assumidos que julgam estar a apanhar uma visão não-censurada das vidas dos seus ídolos, mas também quem critica estes programas por incentivarem o "voyeurismo" e destruírem o conceito de privacidade. Hoje em dia, a maioria dos "reality shows" assume a sua natureza fictícia tão naturalmente como qualquer drama ou "sitcom".

Mas mesmo neste contexto, “Ice Loves Coco” é mais óbvio do que a maioria. Seja através do absurdismo patente em quase cada episódio ou simplesmente pelo facto do Ice-T ser ainda pior actor aqui do que é costume, só uma pessoa terminalmente ingénua poderia julgar que se trata de um retrato fiel do dia-a-dia do casal. Por vezes, o programa parece uma continuação do “30 Rock” em que a Jenna casa com o Tracy Jordan e contrata uma equipa para filmar a sua vida — uma impressão ampliada pelas frequentes caras "jordanescas" de “não estou a entender” do marido e pela atitude espampanante da mulher.

Mas “Ice Loves Coco” não se distingue somente por apostar mais na ficção do que outros programas semelhantes. O que caracteriza o programa (e o que o torna enternecedor, apesar de todas as suas falhas) é que os episódios não têm só enredo de "sitcom" — têm enredo de "sitcom" dos anos 50.

Uma viagem romântica do casal é interrompida por um velho amigo do Ice-T que não sabe quando está a mais; o melhor amigo da Coco quer que esta lhe ensine a conduzir, mas ela é demasiado mandona; a Coco apanha um peixe mas o Ice-T perde as fotos. A referência à clássica série “I Love Lucy” não se limita ao título; a sensibilidade do programa vem directamente dos anos 50, e como tal não podia ser mais diferente de um “Jersey Shore” ou de uma “Casa dos Segredos”.

As personagens de “Ice Loves Coco” são indubitavelmente ridículas e caricaturais. Para além disso, como qualquer programa do E!, abunda o consumismo obsceno, os convidados “célebres” super-forçados e a publicidade camuflada a todo o tipo de marcas e estabelecimentos azeiteiros. Mas apesar das personagens serem parvas, são parvos que se preocupam genuinamente uns com os outros — há um cerne de amor e respeito na série que a distancia da programação geralmente niilista do E!. Não faço ideia se isto corresponde à verdadeira realidade do casal — e também não me interessa.

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