Aziz Ansari, o meu herói

Aziz Ansari, actor de “Parks and Recreation” e "stand-up comedian" que aparece em todo o lado, é uma das pessoas com mais piada no mundo inteiro

Não estamos a falar de um imbecil que passa a vida apenas a ver reality shows, mas sim de um tipo inteligentíssimo DR
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Não estamos a falar de um imbecil que passa a vida apenas a ver reality shows, mas sim de um tipo inteligentíssimo DR
Fred Prouser/Reuters
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Fred Prouser/Reuters

Lembro-me de quando conheci Aziz Ansari. Era Agosto de 2006 e, através de uma ligação lentíssima, lá consegui ver um vídeo chamado “Clell Tickle, Indie Marketing Guru” (já não está disponível online). Era um "sketch" sobre um tipo que, ao serviço de gente como Ted Leo ou Devendra Banhart, manipulava sítios como a Pitchfork para darem destaque à música deles. Foi ainda antes de se estrear “Human Giant", o brilhante programa de "sketches" que partilhava com Paul Scheer e Rob Huebel — duas pessoas cuja presença no que quer que seja, ainda hoje, me põe um sorriso na cara — na MTV.

(O facto de eu saber a data é mais um reflexo da forma estranha como a minha memória funciona do que do quão especial ele é para mim, já que eu também conseguiria dizer quando foi a primeira vez que vi o Marco Horácio.) Depois seguiram-se pequenos papéis — muitos deles de cretino, algo em que Scheer e o Huebel também são exímios — em "sitcoms" como “Flight of the Conchords” e filmes como o “Observe and Report”. Caramba, cheguei a ver episódios de “Scrubs” só porque ele apareceu nuns quantos.

Era pouco Aziz para muito tempo. Felizmente, pouco depois veio o “Funny People”, do Judd Apatow, e toda a cena à volta do Raaaaaaaandy (com oito "a"), o "stand-up comedian" interpretado por ele que era uma espécie de Soulja Boy aplicado à comédia. E, posteriormente, a "sitcom" “Parks and Recreation”, sem dúvida uma das criações mais especiais e bonitas que os últimos anos viram nascer — e pensar que a princípio estava meio desiludido com aquilo e que só continuei a ver porque Aziz Ansari e Amy Poehler eram demasiado grandes para eu ignorar. Sinto genuinamente que ele é uma das pessoas com mais piada no mundo inteiro — e uso e abuso dessa designação sempre que escrevo sobre ele. Foi também um prazer vê-lo a apresentar o "MTV Movie Awards" há uns anos, e “Taavon”, a personagem que era o “swagger coach” do Zach Galifianakis, ainda está gravada na minha memória.

“Sensual Moments for an Intimate Evening”, o primeiro especial de "stand-up" dele que termina com uma descrição fenomenal de um concerto do R. Kelly e que o confirma como alguém que tem o talento suficiente para ser, em termos de energia, movimentos e entoação, o herdeiro perfeito do Eddie Murphy de “Delirious” e “Raw”, era complicado de ver legalmente em Portugal. Felizmente, há duas semanas ele lançou na internet, disponível por apenas cinco dólares e para todo o mundo, “Dangerously Delicious”. É um espectáculo em Washington em que ele fala de uma sessão de procrastinação em que, em vez de escrever algo importante, foi descobrir tudo sobre o Joe Pesci, o que é bonito. Paguei (o preço é justo) e deliciei-me ("no pun intended" — sem trocadilhos). Ver alguém chegar tão longe e ainda ter alguma auto-depreciação nada forçada e auto-dúvida (algo que falta a muita gente que faz disto profissão) é enternecedor.

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M.I.A., Kanye West, Aziz Ansari e Zoë Kravitz DR

Em 2010, li-o no Twitter a dizer “Something very sad about the fact I haven't read Moby Dick, but I have read the Kindergarten Cop Wikipedia page”. Apesar de não pôr assim a questão, é um tema de que ele fala no programa especial e que merece ser estudado. Não estamos a falar de um imbecil que passa a vida apenas a ver "reality shows" ou que não percebe nada de nada, estamos a falar de um tipo inteligentíssimo que, pelas circunstâncias do mundo contemporâneo, perde tempo a não fazer nada de produtivo. Ele não tem uma solução, mas eu também não.

É estranho que, há uns anos, Aziz gozava com Kanye West por causa de “Lock yourself in a room doin' five beats a day for three summers” ("Fecha-te a ti próprio num quarto a fazer cinco instrumentais por dia durante três Verões"), uma parte da letra da "Spaceship", a fazer cinco "beats" com a boca e a dizer algo como ser só ele a lembrar-se sem puxar muito pela cabeça. Hoje são amigos e Aziz aparece no vídeo da "Otis" do Kanye e do Jay-Z. É uma trajectória bonita (e não é só com eles: também vende vodca com o Diddy). Não é só em vídeo que ele é brilhante. Até na componente escrita ele parte loiça. Protagonizou uma das coisas mais bonitas que vi na GQ nos últimos tempos (porque é que não pode haver disto em Portugal?), entrevistou os Animal Collective para a FADER. E muito mais. Se o tipo (e todos nós) sofre com a dispersão do mundo informatizado, isso também o torna disponível em todos os meios. Ao contrário do que acontecia antes, agora há imenso Aziz para menos tempo, mas consigo viver com isso.

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