Por que é que os portugueses em Moçambique são insatisfeitos?

Será que os portugueses são diferentes dos outros estrangeiros que cá vivem? Será que sofremos de uma crise adolescente estrutural e não nos libertamos do estigma do coitadinho?

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TiagoPinhal/Flickr

Outro dia, uma amiga de uma amiga, uma austríaca com uma confortável posição de topo na UNIDO, a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial, colocou uma questão que dá que pensar. Entre golos de cerveja quente e um ritmo "reggae" africano, a rapariga-quase-senhora (tem mais de 10 anos de carreira nas Nações Unidas) disse no seu inglês perfeito:

— Por que é que os portugueses a viver em Moçambique estão mais insatisfeitos com o país do que as pessoas de outras nacionalidades?

Foi como se a música parasse e a cerveja 2M voltasse a gelar. Se considerarmos que ela falava de uma amostra significativa de uma população de mais de 20 mil portugueses a viver aqui, por que raio é que isto é assim? Ou, melhor, por que raio os estrangeiros nos vêem assim?

Pus-me a pensar em todas as conversas que tive com moçambicanos, portugueses e estrangeiros nos últimos meses, sobre crise, estados de espírito, choques culturais e pratos exóticos. A conclusão nenhuma cheguei. Lá pensei mais e decidi colocar os pensamentos no "word".

Será que os portugueses que vivem aqui são diferentes dos outros estrangeiros que cá vivem? Sim. Será que a diferença está na vivência? Talvez. Considerando todos os "backgrounds" económicos, culturais e outros que tais, porque será que nos queixamos tanto da terra que nos acolheu?

Será pela mesma razão que já nos queixávamos em casa? Será que sofremos de uma crise adolescente estrutural e não nos libertamos do estigma do coitadinho? Ou será antes porque não temos casas com vista para o mar e, assim, vemos melhor o que se passa na terra?

As perguntas sucediam como cerejas. Então, como portuguesa que sou, vestindo todos estes males e questionando outros tantos, lá respondi com uma estória:

— No século XVI, nós, portugueses, tivemos um rei muito jovem, de seu nome Dom Sebastião. Toda a população tinha uma enorme fé na sua força física e intelectual, mas o pobre desapareceu numa batalha em Marrocos (nome mais fácil de decorar que Alcacer-Quibir). Até hoje, estamos à espera que ele volte.

— Oh, "really"?

— Sim.

Relembro o meu avô, que nunca me deixou mal, nem mesmo com perguntas difíceis. “Avô, antes de eu ir para África, diga-me uma coisa. Todos nos queixamos imenso de como está Portugal agora, com a crise. Mas isto alguma vez esteve bem?”. A resposta foi um sorriso cúmplice, apoiado num abanar de cabeça da esquerda para a direita.

Sorri para a austríaca, com um encolher de ombros, como quem diz: ”Nós somos assim mesmo”. E a música voltou a tocar.

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