O público enviou 50 manifestos — e o Maria Matos fez disso um espectáculo

Chama-se “Coro das Vontades” e resulta de um desafio lançado ao público do Teatro Maria Matos: enviar manifestos. Tiago Sousa vai criar um espectáculo baseado neles, a estrear em Julho

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O músico Tiago Sousa é um dos impulsionadores do espectáculo O Coro das Vontades Pedro Maia

A premissa não podia ser mais simples (e actual): o Teatro Municipal Maria Matos, em Lisboa, lançou um apelo ao público para criar manifestos, sem restrições, que serviriam de base a um projecto artístico. Às mãos de Tiago Sousa e Joana Rosa chegaram 50 documentos e, a 14 de Julho, o resultado deste apelo vai estar em palco naquele teatro.

A ideia não é novidade – nasceu na Finlândia, em 2005 – e, na sua essência, o “Coro das Queixas” pretendia dar expressão às indignações das pessoas através do objecto artístico. Ao músico Tiago Sousa, 28 anos, foi lançado um desafio e ele não se fez rogado. Decidiu alterar, um pouco, a ênfase do projecto original e destacar “não tanto a queixa, mas antes a vontade emancipada”. Daí a versão portuguesa do espectáculo chamar-se “Coro das Vontades”.

Quando, explica o músico, “nos colocamos a questão: se fôssemos nós a mandar no mundo, o que faríamos?”, corremos o risco de não “contemplar todas as vontades em equilíbrio e tentamos fazê-lo numa perspectiva um bocado mais autoritária”.

Até 31 de Janeiro de 2012, os manifestos (“bastante heterogéneos”) foram chegando e desde então têm sido lidos com atenção pela equipa, que já se encontra a trabalhar no guião. “Pretendem, primeiro que tudo, levar-me a mim, enquanto artista, a reflectir sobre qual o pensamento geral das pessoas que nos escreveram”, sublinha o autor de “Walden Pond’s Monk” (2011) e “Insónia” (2009). Tiago Sousa não quer fazer um “eco linear das vontades expressas”, antes “reagir a elas, contrapô-las”.

Não é panfletário, mas também não é inocente

Perguntámos pelos manifestos: como são, assemelham-se? “Existem alguns que são mais do tipo reivindicativo, de alguém que espera um pouco mais da governação. E depois há outros que vão num sentido um pouco mais literário, mais poético, e tentam desconstruir o sentido do objecto da governação”, descreve.

Em comum denotam uma “ansiedade muito grande pela necessidade de algumas respostas – que podem vir do exterior ou do próprio indivíduo - e uma preocupação latente relativamente ao estado como as coisas se têm desenvolvido”. Apesar de admitir não ser uma “proposta inocente”, Tiago Sousa assegura que não quis fazer deste um projecto “demasiado panfletário”. Interessa-lhe trabalhar a relação de um artista em criação num contexto social e histórico, “sempre em relação com o outro”.

Este pianista que se define como autodidacta garante que, apesar de ser “músico por vocação”, não vai criar um espectáculo exclusivamente de músico. “Existe, desde logo, a questão da palavra, que serviu de guia para tudo isto”, reflecte. O público pode esperar “uma simbiose entre a palavra escrita, cantada, dita”: algo que se aproxima de um concerto mas que extravasa um pouco esse limite.

Alguns dos temas que vão ser utilizados fazem parte do repertório de Tiago, outros estão a ser compostos, especificamente, para a performance. Pelo palco do Teatro Maria Matos vão ainda passar músicos convidados.

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