“Pagos a Dobrar” (“Double Indemnity”), de Billy Wilder (1944)

"A única falha pode muito bem ter sido a tentativa de fazer de Barbara Stanwick uma mulher-fatal (quando já não seria fácil fazer alguma coisa do seu cabelo)"

Poster do filme “Double Indemnity” DR
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Billy Wilder é outro emigrante europeu de língua alemã, tal como Wiliam Wyler, Ernst Lubitsch, Fritz Lang, Otto Preminger, Douglas Sirk, em cuja carreira norte-americana podemos, segundo me parece, procurar candidatos ao “filme perfeito”, quimera com que os cinéfilos tantas vezes tapam os olhos – os seus e os alheios – para não verem imperfeições relevantes. Mas como aquilo que é relevante para um não é para outro – e até porque podemos, justamente, achar graça ao modo particular como nos tapam os olhos – há esperança de se encontrar a quimera e de se atestar a sua autenticidade.

A distinção de “Pagos a Dobrar” começa no argumento, uma adaptação do próprio Wilder, em parceria com Raymond Chandler, do romance “Double Indemnity” de James M. Cain, que aqui já referimos por “Mildred Pierce” e que poderemos vir a referir a propósito de “The Postman Always Rings Twice”.

Billy Wilder tinha começado a sua carreira no cinema como argumentista, ainda na Europa, e viria a participar nessa qualidade em 76 projectos, contra apenas 27 como realizador. Mas preferia a escrita em parceria e, neste caso, teve a rara oportunidade de trabalhar com Raymond Chandler, criador do detective Philip Marlowe e de uma narrativa, na primeira pessoa, concisa, seca, mordaz, utilizando comparações e imagens memoráveis que saltam para os diálogos do filme (“The insurance company knows more tricks than a carload of monkeys” é um exemplo que não esquece).

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Sobre essa base sólida, Billy Wilder desenvolve o seu filme negro dirigindo Fred MacMurray no papel do vendedor de seguros Walter Neff, Barbara Stanwick (que conhecemos da comédia “The Lady Eve”), no da esposa fria e calculista Phyllis Dietrichson e Edward G. Robinson no intuitivo e dedicado investigador de pedidos de indemnização Barton Keyes.

Fred MacMurray, actor mais conhecido por personagens simpáticas ou cómicas, tem uma excelente interpretação dramática, impressionando pelo sentido de ritmo, pela cadência exacta que impõe aos discursos, postura e gestos, incluindo a sua “assinatura” de acender os fósforos com a ponta da unha do polegar (quantas vezes terá tido de ensaiar até a habilidade lhe sair “naturalmente”?). Edward G. Robinson, uma primeira-figura de Hollywood aceitando uma extraordinária terceira posição, acrescenta a segurança da experiência (era o seu 44.º filme), facilitando o trabalho a MacMurray sempre que contracenam.

A única falha pode muito bem ter sido a tentativa de fazer de Barbara Stanwick uma mulher-fatal (quando já não seria fácil fazer alguma coisa do seu cabelo). O seu empenhamento, a sua fibra, no entanto, falam por si – tal como aconteceria em “Sorry, Wrong Number” (1948) ou “Clash by Night” (1952), para mencionar apenas dois exemplos –, relativizando este aparente desajustamento físico relativamente ao que sugere a personagem, embora seja um tipo de apreciação sempre sujeito a discussão, que a obra – por ser maior –, em qualquer caso, transcende.

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