"Drive", "Melancholia" e outras velhas cores

Pouca discussão, pouca diversão, pouco entusiasmo, não foram coisas que, como diz o outro, tenham assistido 2011. E é exactamente disso que gostamos: filmes que possibilitem discutir durante horas

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No que diz respeito a estreias cinematográficas em Portugal, 2010 foi sem dúvida um dos anos mais amenos da última década. Desinteressante ao ponto da estreia de "Io sono l’amore" (um filme incompreensivelmente apontado por alguns críticos como a obra que iria revolucionar “o fazer” no Cinema) ter representado uma das novidades mais importantes do ano.

Perto de ter sido um dos piores anos da década, 2010 foi felizmente salvo por momentos de enorme dignidade, com a estreia de filmes tais como o silencioso (e algo silenciado) "The American", o nada silenciado (vencedor de inúmeros prémios internacionais) mas particularmente silencioso "Des hommes et des dieux" ou "The single man" – sem esquecer o acordar grego com "Canino", um dos filmes mais perfeitos e inteligentes a passar nas nossas salas durante os últimos anos, assim como o competente "The social network".

Pouca discussão, pouca diversão, pouco entusiasmo, não foram coisas que, como diz o outro, tenham assistido 2011. E é exactamente disso que gostamos: filmes que possibilitem discutir durante horas, avaliar de forma discordante, detestar, amar, eventualmente andar à pancada para os defender e um dia, quem sabe, criar gangs de apoio.

Eu apoiei "Melancholia", enquanto filme de surpreendente originalidade na abordagem a um assunto esgotado por natureza e de elegância pouco usual (principalmente no campo do digital). Não apoiei "Drive", pela falta de rumo (não é um bom filme de carros, não é um bom filme de gangsters, não é especialmente original na narrativa, nem original na imagética) e pela intenção óbvia de agradar a hipsters e geeks que gostam de violência gratuita ou da cena musical parisiense Valerie – disto também gostava e gosto, aqui me confesso, mas uma banda sonora raramente faz um filme.

A nova velha guarda

2011 foi um ano abundante em divergências entre cinéfilos e foi especialmente marcado por um regresso vigoroso de vários realizadores históricos. Entre estes, destaque-se Jerzy Skolimowski, o monstro algo adormecido da nova-vaga polaca que, com o irrepreensível "The essential killing", provou estar na boa forma dos tempos de "Moonlight" (1982) ou de "Le départ" (1967). Mas destaque-se também Almodóvar, ainda com sangue na guelra para fazer um filme de grande diversão, esteticamente imaculado e repulsivo q.b. – um circo operático de múltiplas cores, cheio de artificialidades apaixonantes, que se adora ou detesta, e eu adoro.

Mas regressaram outros: um bom e renovado Wenders, com "Pina"; Godard, numa procura algo desesperada de novas fórmulas fílmicas em "Film Socialisme"; Malick, com "The tree of life", aquele que poderá ter sido um dos exercício mais ousados da história do cinema e que deixa muitas dúvidas quanto à sua aclamação crítica; Woddy Allen, com o adorável e despretenciosamente bem escrito "Midnight in Paris" ou ainda Kechiche, com um filme menor se comparado à obra-prima La graine et le mulet.
Com Polanski, Herzog, os irmãos Dardenne e o estreante Sean Durkin, parece que entrámos no novo ano com o pé direito mas também com o direito a esperar por mais, melhor, e por alguns filmes não estreados por cá em 2011, tal como o episodicamente banal mas incrivelmente bem filmado e fotografado "Weekend".

Por questões ideológicas e de vontade política, pelo cinema português (depois de um 2010 e um 2011 prolíficos em filmes vencedores de prémios internacionais e bem sucedidos nas bilheteiras) podemos esperar sentados – mas fora das salas de cinema.

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