“Estrangeiros”: a guitarra portuguesa é um lugar estranho

"Estrangeiros", de Né Barros, prolonga a reflexão da coreógrafa sobre os "movimentantes" (e a sua colaboração com Alexandre Soares). A estreia é hoje no Vila Flor, em Guimarães

Estrangeiros está esta quinta-feira em Guimarães DR
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Há lugares mais estrangeiros (para gente como nós) do que uma guitarra portuguesa, mas não na peça que Né Barros hoje, quinta-feira, estreia no pequeno auditório do Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, pelas 22h00. "Estrangeiros", diz-nos a coreógrafa no final de um ensaio, somos todos: de máquina fotográfica ao pescoço na praça Djemaa El-Fna, em Marraquexe, como na sua criação anterior ("a praça", 2010), ou despidos até à alma diante da guitarra portuguesa de Alexandre Soares, como logo à noite em plena Capital Europeia da Cultura (não por acaso, pelo menos segundo o mito fundacional, a cidade menos "estrangeira" do país).

Em certo sentido, reconhece Né Barros, "Estrangeiros" retoma alguns tópicos (e um figurino, os calções dourados de Joana Castro) de "a praça": "Como ponto de partida, os temas do lugar, da fronteira e da deslocação dominam muito os meus interesses. Mas o que me interessa é forçar o jogo entre o que há de interior e de exterior nesses temas: há um lado neles que é de contexto, de paisagem, de ambiente, e outro que é de condição humana." 

É por aí que podemos olhar para este bando de seis (os bailarinos Bruno Senune, Flávio Rodrigues, Joana Castro e Pedro Rosa, mais os músicos Alexandre Soares e Jorge Queijo) e ali encontrar um espelho de aumentar. "Há um lado da palavra estrangeiro que é mais existencial, no sentido camusiano: quando somos estrangeiros de nós mesmos. Nessa fractura, nesse diferir há um certo absurdo, que tento explorar aqui", explica a coreógrafa. 

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É certo, ressalva, "que isto se passa dentro de um espectáculo, num palco, onde tudo é natural" - até a aparição de figuras-mistério, como o bando de aves, a mulher sem cara que chora por baixo do cabelo, ou os guitarristas de cabeça tapada vagamente herdeiros de "Os Amantes", de Magritte. Mas o palco também é o lugar de todas as ficções, de todos os estrangeiramentos. "Precisei de criar o neologismo "movimentante" para designar esta ficção que é o corpo dançante. Um bailarino é um corpo em presença, com a sua história, a sua raça, a sua cor do cabelo - alguém que reconhecemos como nosso igual, mas que, a partir do momento em que está protegido por um contexto extraordinário, o espectáculo, se transforma num estrangeiro. Acho que estrangeiro é outra forma de dizer "movimentante"", reflecte a coreógrafa.

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Na sua indecisão formal (é uma peça coreográfica?, é um concerto?), "Estrangeiros" é bem uma criação sem residência fixa. Habituada a trabalhar em colaboração com Alexandre Soares, Né Barros quis desta vez que o "efeito imersivo" do concerto definisse o espírito da peça, até fazê-la desembocar nessa guitarra portuguesa que parece levar-nos, a nós estrangeiros, de regresso a casa, ou então para bem longe dela.

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Texto actualizado às 16h50

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