"Se Desenha Uma Casa" ou a "Observação"?

Prémios esbanjam os seus autores, citações elogiosas gastam páginas e "sequelas" sucedem-se há décadas na poesia portuguesa

Nelson Garrido
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Por esta altura do ano há uma épica disputa nas montras das grandes livrarias. Há um livro que anuncia ter recebido inúmeros prémios, outro que recolhe mais citações elogiosas e ainda aquele que, à falta de melhor, tem mais sequelas. Normalmente a um canto da loja (a psicologia do "marketing" explicará sem metáforas) há outra coisa ainda e essa coisa é que é a poesia. Aí se vão escondendo os mais recentes livros de dois dos autores portugueses mais relevantes: “Como Se Desenha Uma Casa” de Manuel António Pina (MAP) e “Observação Do Verão” de Gastão Cruz.

 

No conjunto de MAP, como logo se lê, casa é a palavra-chave e no poema de abertura está o verso que iluminará o que se segue: “Uma casa é as ruínas de uma casa”. Este será o espaço que possibilita o regresso à origem. Para o ‘desenhar’ é preciso convocar e juntar fragmentos, recordações, imagens. Regressa-se pela memória, com um dobrar e desdobrar de marcas específicas e pequenas assoalhadas: “Digo ‘casa’, mas refiro-me a luas e umbrais, / a lembranças extenuadas, / às trevas do corpo, lúcidas, / latejando na obscuridade de quartos interiores”. Acrescente-se que não há, como quase nunca houve em Manuel António Pina, uma ideia de grandiosidade, habitando a poesia num espaço mais trivial, “onde o Lexotan se tornou literatura”.

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Vasco Vasconcelos é mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

 

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“Uma casa é as ruínas de uma casa”

A temática do conjunto de Gastão Cruz não está muito distante da de MAP. Distancia- se, sim, no estilo, pois, se o desenho implica um traço mais largo e demorado, a observação envolve um olhar mais rigoroso e uma condensação que se reflecte na escrita, particularmente na primeira parte do livro: “Onze velas na ria e vozes que a dirigem: o calor sulca as águas; puxa o leme, alguém grita”. Digo que não estão os dois livros afastados porque, se Pina reconstitui o passado nas ruínas da memória, Gastão Cruz também regressa, mas frequentemente mediante um espaço mais referencial (o que não deixa de ser curioso se olharmos à geração a que cada um está conotado): “Sair do mar deitar / na areia o corpo como se o chamasse / o sonho desta noite tão exacto // na reconstituição do que era / oh alucinação da juventude / aproximar os corpos”.

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“Onze velas na ria e vozes que a dirigem

 

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Vasco Vasconcelos é mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

É bem provável que quem compre o livro de MAP leve para casa uma faixa a indicar o Prémio Camões 2011, o que, no meio de tais contendas editoriais, é como uma nau a passar pelo Adamastor. Mas valerá a pena investir poucos euros nestes títulos. Prémios esbanjam os seus autores, citações elogiosas gastam páginas e "sequelas" sucedem-se há décadas na poesia portuguesa.

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“Uma casa é as ruínas de uma casa”
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“Onze velas na ria e vozes que a dirigem
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