O escritor da câmara de filmar

Em “Short Movies”, Gonçalo M. Tavares dá vida e vontade à câmara de filmar, em pequenas narrativas fortemente visuais

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Nuno Ferreira Santos
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Gonçalo M. Tavares (n. 1970) é um escritor atípico. Publicou, em apenas uma década, mais de trinta livros de géneros tão diversos como romance, poesia, conto ou epopeia. Contudo, encontra-se por entre esta aparente heterogeneidade uma coerência invulgar, tanto ao nível das temáticas como — mais raro ainda — da qualidade. A obra de Gonçalo M. Tavares dinamita frequentemente as convenções da literatura, numa escrita carregada de filosofia e reflexão sobre o mundo e os homens, por vezes cerebral e meticulosa, noutras contemplativa ou irónica.

Este ainda jovem escritor é já um valor seguríssimo e consensual para a literatura portuguesa, prometendo voos cada vez mais altos. Assim o previu José Saramago, em 2005, quando revelou que lhe dava vontade de bater em Tavares por este, então com apenas 35 anos, escrever tão bem, vaticinando-lhe o prémio Nobel para o futuro. Por enquanto, além do Prémio Literário José Saramago para o admirável romance “Jerusalém”, que consubstanciou essa admiração, Gonçalo M. Tavares recebeu já dezenas de importantes prémios em Portugal – como o Grande Prémio de Romance APE 2011, ou o Prémio Sociedade Portuguesa de Autores para a melhor ficção narrativa 2010 -, e lá fora – como o Prémio Portugal Telecom 2007, no Brasil, ou o Prix du Meilleur Livre Étranger 2010, em França, para o excelente “Aprender a rezar na Era da Técnica”. Os seus livros estão traduzidos em dezenas de línguas e são publicados em 44 países.

Gonçalo M. Tavares costuma deixar repousar os seus livros na gaveta (que se adivinha repleta), resgatando-os eventualmente para os lapidar com um novo olhar e dá-los à estampa. Vai conseguindo assim uma profusão de publicações em várias editoras, e não tem havido ano que termine sem dois ou três livros editados. Saíram recentemente dois títulos: “Canções Mexicanas”, inspirado numa visita a esse país, e “Short Movies”, o mote deste artigo.

Porque deves ler este livro?

Fazendo o papel de um benévolo e compreensivo juiz da humanidade, o autor descreve o olhar e as deambulações da câmara de filmar, adivinhando-lhe intenções e vontades, em cerca de setenta micronarrativas — variando entre um parágrafo e as três páginas de extensão — que correspondem a pequenas “curtas-metragens”, ou simplesmente a cenas fugazes que adivinham uma narrativa maior.

Nestes fragmentos — alguns deles publicados previamente em jornais e revistas — Gonçalo M. Tavares observa minuciosamente a estranheza do mundo e as contradições dos homens, jogando habilmente com o absurdo e a surpresa. A câmara de filmar é uma personagem que constrange ou possibilita o olhar, e por isso estes textos são preponderantemente contemplativos, deixando para o leitor a interpretação, o julgamento e a descoberta das intenções e sentidos dos acontecimentos.

Não sendo o seu livro mais significativo, “Short Movies” é uma excelente adição para a obra enciclopédica deste valor maior da literatura portuguesa, inaugurando uma nova “série” de livros que promete continuação.

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