Haruki Murakami, o intérprete de uma geração no fundo do poço

Chega agora a Portugal "1Q84", o novo (e muito aguardado) romance de Murakami. O que é que leva milhões de jovens a devorar os livros do escritor japonês?

Capa da edição portuguesa de 1Q84 (primeiro volume), traduzida por Maria João Lourenço e Maria João da Rocha Afonso  DR
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Capa da edição portuguesa de 1Q84 (primeiro volume), traduzida por Maria João Lourenço e Maria João da Rocha Afonso DR
Christina Casnellie
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Christina Casnellie

O mais recente romance de Haruki Murakami chega às livrarias portuguesas esta segunda-feira, dia 7 de Novembro. Chama-se “1Q84” e vai ser publicado pela Casa das Letras em três volumes. Eterno candidato ao Nobel da Literatura, Murakami (Quioto, 1949) conta com uma legião de fãs de diferentes países e idades. Os jovens, contudo, constituem um grupo especial nessa comunidade global de leitores.

Desde o sucesso editorial da saga Harry Potter que não se vê no mercado editorial tamanha expectativa para o lançamento de um livro. No fim de Outubro, livrarias norte-americanas decidiram ficar abertas até à meia-noite para conseguir atender os clientes ansiosos por ler “1Q84”. Mas quais são exactamente os elementos narrativos que levam milhões de jovens a devorar os livros densos (e, muitas vezes, extensos) do escritor japonês?

Murakami é considerado um guru para muitos jovens japoneses. Os romances do escritor japonês são lidos com paixão tanto pela rapariga de Santiago de Compostela como pelo rapaz de Nova Iorque. Mesmo vivendo realidades sócio-culturais distintas, Murakami “fala-lhes ao ouvido” e “toca-lhes na corda sensível”, explica a tradutora Maria João Lourenço, numa crónica enviada ao P3.

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O título do novo romance de Murakami, 1Q84, joga com o nome do livro quase homónimo de George Orwell, “1984” DR

Interpretar mecanismos internos de gerações

Maria João salienta o facto de Murakami explorar nas narrativas temas que, sendo inerentes à condição humana, parecem vibrar com uma urgência própria no universo juvenil. Estamos a falar da solidão e do sexo. De vidas anódinas e experiências limite. Da ternura e da violência latente. Da alienação social e da memória histórica que persiste num limbo. Temas com que se debate hoje uma geração que resiste a classificações fáceis. Não é por acaso que a obra do autor nipónico é apontada como inspiração para filmes como “Lost in Translation”, de Sofia Coppola, e “Babel”, de Alejandro González Iñárritu.

Murakami tem a capacidade de mesclar a banalidade do quotidiano com episódios surreais. Nos romances do autor, encontramos uma personagem a cozer esparguete mas também vemos enguias a cair do céu. Andreia Filipa Silva, de 22 anos, gosta dessa “comunhão” entre “a realidade e o fantástico”. “[Murakami] é capaz de dar a conhecer a realidade japonesa ao mesmo tempo que escreve com um misticismo e simbologia, que deixa o leitor viajar pelo mundo do subconsciente”, explica Andreia, que estuda Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia.

Opinião semelhante tem João Craveiro, de 27 anos. Este estudante de doutoramento conta que Murakami tem o condão de fazer “fantasia sem criar um mundo fantástico irreal à parte”.

“Os mundos fantásticos dele guardam muito em comum com o mundo real, e isso faz com que se consiga desfrutar a narrativa sem ser assoberbado com nomes de galáxias, espécies, e coisas do género (memorizar dois ou três nomes de cidades japonesas ainda é tolerável)”, nota João Craveiro num e-mail enviado ao P3.

Outro aspecto importante é o modo como Murakami incorpora referências musicais nos textos. Antes de se tornar autor de culto (e, já agora, corredor de maratonas), Murakami era dono de um clube de jazz. Simão Miranda, estudante de 22 anos, confessa que o que o “atraiu inicialmente foram as referências culturais”, sobretudo ao jazz.

Após a leitura de “After Dark” e “Crónica de um Pássaro de Corda”, Simão conseguiu ver que os temas ali abordados “são bastante complexos”. Há, por exemplo, a questão da alienação e da ansiedade à qual, como recorda numa crónica enviada a P3, uma geração inteira é sensível. Uma geração que desceu ao poço e “espera encontrar a porta para o outro lado”.

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