iPhone 4S: o Siri é bom, mas ainda não é parvo

O Siri é mais uma tentativa desesperada do ser humano para dar alguma dignidade a comportamentos ridículos, como cantar “Sou Romântico” de Tony de Matos em calções de banho e chinelos

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Reuters

Num dos episódios da série "O Barco do Amor", que ainda hoje pode ser vista em toda a sua glória numa luxuosa edição em DVD por apenas algumas largas dezenas de euros, ou então no YouTube, um dos tripulantes da embarcação fica detido na prisão de uma ilha cuja língua materna não é o inglês. Ao tentar comunicar com um dos guardas, "Doc" lança uma pergunta desesperada: "Do you speak English?", recebendo como resposta um reconfortante "Yes, I speak English!"

Mais aliviado, "Doc" pede ao seu interlocutor que chame o responsável da cadeia, para que ele possa esclarecer aquele mal-entendido. A resposta chega num tom familiar, mas profundamente perturbador: "Yes, I speak English!"

Para resolver estes problemas de comunicação tão recorrentes entre seres humanos, a Apple voltou a deixar meio mundo de boca aberta, a bater palmas e a soltar gritinhos histéricos como se estivéssemos a assistir à segunda vinda dos Beatles: apresentou o Siri, praticamente a única iCoisa que torna o iPhone 4S diferente do iPhone 4 (sim, eu sei que o novo modelo tem um processador mais rápido e uma câmara com mais resolução, mas isso não chegou para me tirar o sono durante a apresentação).

E o que é o Siri? Aqui está uma boa pergunta para se fazer ao Siri. Com o novo iPhone nas mãos, basta carregar no botão Home e aí está o nosso novo "assistente pessoal", como lhe chama a Apple. Talvez a empresa perca a timidez e passe a chamar-lhe "o teu melhor amigo" na próxima actualização do sistema operativo iOS.

O Siri é mais uma tentativa desesperada do ser humano para dar alguma dignidade a comportamentos intrinsecamente ridículos, como cantar "Sou Romântico" de Tony de Matos em calções de banho e chinelos ou conversar com um telemóvel nos transportes públicos.

É verdade que parece ser mais inteligente do que os sistemas de reconhecimento de voz que já conhecemos – à excepção de um deputado em dia de discussão do Orçamento do Estado –, mas ninguém parece querer saber disso: a Web já tem blogues, "tweets" e "posts" suficientes sobre as perguntas que os seres humanos querem realmente fazer quando lhes põem nas mãos uma máquina com uma suposta inteligência artificial.

No Tumblr Shit That Siri Says encontramos tudo menos "Siri, liga para a Maria", ou "Siri, marca uma reunião para o dia 12". Os seres humanos não são assim tão artificiais quando se põem a falar com uma máquina inteligente. Para quê pagar centenas de dólares por um telemóvel que nos promete um assistente pessoal tão esperto e perder a oportunidade de lhe perguntar "Should I jump off this bridge?" (neste caso em particular, o Siri respondeu como só uma máquina inteligente e sensível consegue fazê-lo: com a localização geográfica das duas pontes mais próximas). E quando lhe perguntamos "Do you believe in love?", é claro que a resposta só poderia ser "Sorry Mike, I can’t look for places in Canada."

É esta capacidade dos seres humanos de serem profundamente "silly" na presença da inteligência artificial que vai mantê-los sempre um passo à frente das máquinas. Tenho para mim que uma máquina só será verdadeiramente inteligente quando for tão parva quanto os seres humanos.

Fica um conselho para quem está a pensar em comprar o iPhone 4S por causa do Siri: se querem assim tanto um Tamagotchi, vão dar uma volta aos anos 90. Quando chegarem, deixem lá as vossas contas Hotmail e aproveitem para trazer de volta o pouco que ainda restava de criatividade na cabeça do Bono Vox.

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