Regressar à idade da inocência (e da razão) com a Trienal de Arquitectura

Programa do encontro que se realiza entre Outubro e Dezembro do próximo ano foi apresentado esta terça-feira em Lisboa. Cinco exposições, cinco livros e muitas conversas sobre a arquitectura e o que nela há de racional.

Fotogaleria
A apresentação teve por cenário um edifício em construção no centro da cidade — a torre de escritórios de 17 andares que a dupla Diogo Seixas Lopes (1972-2016) e Patrícia Barbas (1971-) projectou para as avenidas Fontes Pereira de Melo e 5 de Outubro, em Lisboa Hugo David
Fotogaleria
O arquitecto Éric Lapierre Hugo David

O tema da próxima Trienal de Arquitectura de Lisboa (3 de Outubro a 2 de Dezembro de 2019) – A Poética da Razão – pode ser, a um primeiro olhar, algo misterioso, mas uma conferência de imprensa e uma conversa breve com o seu comissário-geral, o arquitecto Éric Lapierre, ajudam a concretizá-lo. 

Ao final da manhã desta terça-feira, tendo por cenário um edifício em construção no centro da cidade — a torre de escritórios de 17 andares que a dupla Diogo Seixas Lopes (1972-2016) e Patrícia Barbas (1971-) projectou para a esquina das avenidas Fontes Pereira de Melo com a 5 de Outubro, que acendeu uma polémica em Lisboa —, Lapierre, o teórico de arquitectura que lidera uma equipa que inclui mais oito curadores que serão responsáveis por cinco exposições, explicou de forma clara o objectivo desta trienal, que vai já na quinta edição e que pela primeira vez inclui um comissariado escolhido por concurso internacional; e que pela primeira vez recebeu um apoio a quatro anos da Direcção-Geral das Artes (1,1 milhões de euros, 950 mil dos quais destinados à programação de Outubro a Dezembro de 2019).

Numa altura em que a arquitectura é constantemente desafiada por “outros meios que diariamente nos bombardeiam com imagens que não conseguimos explicar” — palavras do arquitecto José Mateus, presidente da associação que organiza a trienal e tem o mesmo nome —, o objectivo é recentrar a discussão na racionalidade da arquitectura, seja ao nível da construção, seja nos do desenho, da sustentabilidade como condição de futuro, ou da relação com a cidade e com as pessoas que nela vivem.

“Um bom edifício é o que tem uma imagem forte. Tem sido assim desde sempre, basta ver as catedrais góticas. Mas na criação dessa imagem por vezes os arquitectos têm esquecido coisas fundamentais. Nós queremos que a reflexão se centre naquilo que é específico da racionalidade em arquitectura”, disse Éric Lapierre, cujo projecto curatorial foi seleccionado entre 48 propostas de 16 países (14 delas portuguesas). Dito de outra maneira, recentrar a discussão naquilo que faz de um edifício um bom edifício, muito além do impacto que tem quando olhamos para ele numa rua da cidade ou na capa de uma revista da especialidade, fotografado com a luz certa.

E para ser assim há que chamar à discussão a sociologia e a antropologia, a economia e a política. “Uma racionalidade que é, por isso, a da complexidade.”

Um programa com cinco exposições (às quais estão associados outros tantos livros) procura mostrar quão diversa pode ser essa reflexão.

Menu variado

Na Central Tejo, espaço do MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, haverá Economia de Meios, exposição comissariada pelo próprio Lapierre que vai mostrar, através de vários exemplos históricos, que efeitos teve a economia de meios na arquitectura e como a massificação da construção no século XX mudou por completo a sua natureza. Na Garagem Sul do Centro Cultural de Belém, Do Lado do Campo: Permacultura para Arquitectos, vai dedicar-se à resposta que a arquitectura dá a problemas ambientais. Vai pôr-nos a pensar, diz o comissário-geral, como construir novos modelos urbanos em que a arquitectura não esteja totalmente divorciada da agricultura, da terra.

Espaço Interior, na Galeria Millennium — a Fundação Millennium BCP é um dos parceiros da Trienal e patrocina um dos três prémios que esta atribui a cada edição (o das universidades) —, explora os elos entre razão e imaginação, partindo de referentes tão diferentes como os videojogos. “Queremos aqui mostrar que a razão é o aspecto mais claro da arquitectura, que não é uma coisa chata, mas glamorosa”, disse Lapierre aos jornalistas. 

O programa da Trienal, que inclui as habituais conferências (Talk, Talk, Talk), tem ainda espaço para mais duas exposições: na Culturgest, O Que É o Ornamento? vai mostrar como “algo que oficialmente morreu com a modernidade” é integrado na produção contemporânea; Beleza Natural, no Palácio Sinel de Cordes, será a montra dos projectos a concurso no Prémio Universidades, feitos a partir da racionalidade na construção. 

Explica Éric Lapierre que a arquitectura tem andado entre duas realidades, a dos edifícios icónicos, em que “o novo se faz destruindo a história, a tradição”, e a da produção pós-moderna, em que os autores “mergulham num tanque de formas já existentes para as usar e reusar”, bebendo dessa mesma história, dessa mesma tradição. “Na Trienal tentamos estar entre estas duas realidades, tentamos ser inocentes outra vez, olhar para as coisas como se nunca o tivéssemos feito.”

O que é a racionalidade em arquitectura?

Se lhe perguntamos, afinal, o que é isso da racionalidade em arquitectura e lhe pedimos que a relacione com a torre Barbas-Lopes, Lapierre responde: 

“Podemos dizer, de forma muito prosaica, que a torre e outros edifícios altos estão ligados à racionalidade da construção. […] Mas as torres estão também ligadas à racionalidade da organização do território da cidade, a uma forma de lidar com certos desafios ambientais. Sabemos que uma cidade que se desenvolve numa superfície enorme exige que se use mais o carro para ir de casa para o trabalho e isso não é bom do ponto de vista ambiental.”

Consciente de que a torre da Fontes Pereira de Melo levantou polémica, o comissário continua: “Não podemos dizer que a torre é boa ou é má, da mesma forma que não podemos dizer que uma casa pequena é boa ou má. Tudo depende da maneira como é feita, de onde é construída, da relação que tem com o que a rodeia.” Não é por haver pessoas que não gostam de torres que vamos deixar de as construir. Os edifícios, lembra, perduram, e, quando os avaliamos, não podemos pensar apenas no presente, no momento da sua construção, temos de olhar mais para a frente.

“Se esta torre for um sucesso do ponto de vista arquitectónico, será certamente um sucesso na cidade e todos ou quase todos passarão a gostar dela. Em França, de início, todos odiavam a Torre Eiffel e hoje é o símbolo do país. Consegue imaginar Paris sem ela?”

 

Sugerir correcção
Comentar