Governo não vai ter Kamov apesar de já ter pago o seu arranjo

Autoridade Nacional de Aviação Civil não vai dar autorização de voo aos Kamov se os congéneres russos não se responsabilizarem. E os russos não o fazem. Em causa peças que valem cerca de 300 mil euros.

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Os três helicópteros Kamov estão parados desde Janeiro Rui Farinha | NFactos

Esta é uma história de milhões de euros que não terá resolução tão cedo. E apesar de o Ministério da Administração Interna (MAI) insistir em inscrever no papel da Directiva Operacional Nacional (DON) apresentada este mês que os três helicópteros pesados do Estado vão combater os incêndios este Verão, não parece fácil que tal aconteça. Isto apesar de o Estado já ter pago os arranjos que faltam para que os Kamov voltem a descolar.

Há três meses que o problema se arrasta e nem o ministério nem a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) conseguiram forçar uma resolução, mesmo após terem sido pagas as peças em falta. Os três helicópteros Kamov continuam parados no hangar de Ponte de Sor – e agora estão lá selados, sem que possam ser intervencionados – e não deverão voltar às pistas a tempo da época de incêndios. Precisam de uma peça nova, o System Control PC-60, importante para a segurança da aeronave, que custa segundo a Everjets “cerca de 75 mil euros”, mas que pode ir aos 300 mil euros, de acordo com um especialista em conversa com o PÚBLICO.

E a factura pesada fica toda do lado da Everjets, sobre a qual os concorrentes dizem estar em dificuldades financeiras e que vendeu, no último mês, alguns helicópteros para fazer face aos problemas. O presidente da empresa, Ricardo Dias, nega as dificuldades, mas o que é certo é que o contrato assinado com o Estado exige, neste momento, uma disponibilidade financeira extraordinária. A empresa refere que até ao final do contrato, ainda tem a receber do Estado um valor de 10 milhões de euros, onde estão incluídas as peças da manutenção geral que estava a ser feita, uma vez que o pagamento da ANPC à empresa, estabelecido no contrato, é feito através de tranches de 590 mil euros.

Desde a assinatura do contrato entre o Estado e a Everjets, em 2015, a empresa é responsável por todas as fases da cadeia, ou seja: é responsável por operar os aparelhos, por assegurar a sua manutenção e ainda tem de garantir as condições totais de aeronavegabilidade, sem as quais a ANAC não atribui licenças de voo. “Ao contrário do anterior contrato, em que o Estado pagava mais por hora de voo do que paga agora pela operação e manutenção, neste contrato as peças também estão incluídas”, admite a empresa em respostas ao PÚBLICO.

De acordo com o contrato, a Everjets é a responsável por “todos os processos que assegurem, em qualquer momento da sua vida operacional, que a aeronave cumpre os requisitos de aeronavegabilidade vigentes e se encontra em condições que permitam a segurança do funcionamento”, duas tarefas que até aqui cabiam à Protecção Civil.

Esta diferença no contrato relativamente ao anterior não é de somenos. Cabe à empresa reunir as condições para que os seus helicópteros sejam seguros. E é neste ponto que a ANAC insiste. A peça que está no centro da discórdia é, para o regulador da aviação civil, uma peça importante em termos de segurança e o facto de o seu prazo de validade ter expirado não dá garantias aos técnicos nem à administração do regulador de que os riscos de segurança/acidentes estejam completamente afastados.

O regulador tem-se mantido quase em silêncio sobre o seu papel nesta discórdia, recusando ver-se envolvido numa quezília quando a sua função é de fiscalização. Por outras palavras, a ANAC não quer, nem pode, meter-se na relação contratual entre a ANPC e a Everjets, mas também não quer que lhe apontem a responsabilidade quando é a única entidade que não a tem. Por outras palavras: se as aeronaves não estão a voar, a responsabilidade é de quem as detém, opera e mantém. 

Ao PÚBLICO, a ANAC confirma apenas que, para dar a licença de voo aos três helicópteros pesados do Estado, precisa de uma de duas soluções: que os helicópteros tenham peças novas (o tal System Control PC-60) ou que a sua congénere russa, a IAC, se responsabilize pela utilização das peças actuais e fora do prazo de validade - registe-se que os helicópteros são russos e a empresa que os fabrica, a KAMOV, também.

Este é o ponto da discórdia. A Everjets justifica que a “autoridade russa já esclareceu há alguns meses que a autorização para o prolongamento de vida das peças é da responsabilidade da KAMOV JSC”, ou seja, do fabricante. De acordo com a Everjets, os representantes da KAMOV estiveram em Portugal para validar a manutenção dos helicópteros, mas foram expulsos no passado dia 28 de Março, quando a ANPC decidiu selar as instalações de Ponte de Sor alegando que estavam a ser desviadas peças.

O PÚBLICO tem questionado a ANPC e o MAI sobre este assunto e nunca obteve respostas.

NOTA: Notícia actualizada às 11h50 depois de a empresa ter clarificado que até ao final do contrato, ainda tem para receber cerca de 10 milhões de euros do Estado. As manutenções estão incluídas no valor do contrato que é pago em tranches de 590 mil euros. O Estado não paga desde Janeiro, uma vez que exigiu à Everjets o pagamento de penalidades por incumprimento no valor de 344 mil euros, como noticiado já pelo PÚBLICO.

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