“Pai” da ginecologia moderna fez experiências com escravas negras. A sua estátua foi agora retirada do Central Park

A estátua de James Marion Sims foi retirada porque as suas descobertas só foram possíveis graças ao sofrimento de escravas negras.

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A estátua retirada EUTERS/Carlo Allegri

A estátua do "pai" da ginecologia moderna, James Marion Sims, que esteve 124 anos no Central Park, em Nova Iorque, foi retirada esta quarta-feira por decisão da câmara. Um pouco por todo o território dos EUA começam a ser retiradas as estátuas ou toponímia que homenageiem figuras que tenham fomentado a escravidão ou a perseguição de minorias. No caso de James Sims, o médico só conseguiu ser considerado “o pai da ginecologia” por causa das experiências que realizou em escravas negras, no século XIX, sem o seu consentimento.

Esta foi a primeira estátua a ser retirada de Nova Iorque depois da manifestação supremacista branca de Charlottesville, que resultou na morte de um contramanifestante. A contestação nacional que se seguiu a esse episódio motivou o presidente da Câmara de Nova Iorque, Bill de Blasio, a pedir uma revisão geral do inventário de monumentos de Nova Iorque. Para examinar todos os casos, o presidente nomeou uma comissão, que determinou, de forma unânime, a retirada da estátua de James Marion Sims.

O médico da Carolina do Sul foi o primeiro a conseguir corrigir cirurgicamente a fístula vesicovaginal – uma pequena abertura entre a vagina e a bexiga, causada pelo parto, que causa dores severas e grande vontade de urinar. Só que Sims só foi bem-sucedido porque fez as suas experiências em escravas negras, sem que estas lhe dessem o seu consentimento.

A estátua do médico já tinha sido vandalizada com a palavra “racista” escrita a vermelho. Durante a retirada da estátua, à qual assistiram cerca de três dezenas de pessoas, ouviram-se gritos: “Sims não é o nosso herói!” e “já estava na hora!”.

“Não se pode dizer que não tenha trazido nada à Medicina”, disse Bernadith Russell, ginecologista do Hospital Presbiteriano de Nova Iorque, citada pelo diário espanhol ABC. “Mas é importante reconhecer que estas contribuições foram conseguidas à base do sacrifício de mulheres que não consentiram.”

A estátua de meia tonelada vai ser agora colocada no Cemitério de Greenwood, em Brooklyn, onde está sepultado James Sims.

A Academia de Medicina de Nova Iorque, que respeitou o trabalho do médico em vida, juntou-se às vozes dos que pediam a remoção da estátua e que se opunham à sua relocação. “Ficámos felizes com a recomendação de remoção da estátua do bairro de East Harlem, mas recolocá-la noutro sítio ainda reconhece o trabalho de Marion Sims sem reconhecer o seu enorme abuso de poder na condução de experiências cirúrgicas em mulheres negras escravas”, afirmou a presidente da Academia, Judith Salerno, em comunicado, citado pelo The Washington Post.

“A sua agonia era extrema”

Lucy foi a primeira doente de Sims. A escrava negra do Alabama foi submetida à primeira cirurgia experimental para corrigir a fístula vesico-vaginal. Esperou pacientemente, com as mãos a segurar os joelhos, enquanto o médico tentava reconstruir a falha entre a sua vagina e a bexiga, sem anestesia.

Lucy acabou por desenvolver septicemia, porque o médico tentou criar um catéter a partir de um pedaço de esponja. “A sua agonia era extrema”, escreveu James Sims na sua autobiografia, em 1884. “Achei que ela fosse morrer”, admitiu o médico no texto. Mas não morreu.

Lucy e pelo menos seis outras escravas sujeitaram-se a mais de 30 tentativas de Sims, até ser bem-sucedido. Todas estas mulheres foram operadas sem o seu consentimento. Na sua autobiografia, Sims conta como conseguiu submetê-las à experiência. “Fiz esta proposta aos donos das negras: se me derem Anarcha e Betsey para uma experiência, prometo que não vou fazer experiências ou operações em nenhuma delas que coloquem em risco a sua vida, e não peço um cêntimo para as manter, só têm de pagar os impostos e as roupas delas. Mantenho-as às minhas próprias custas.”

Agora, no cemitério, a estátua do médico vai ter uma placa que explica que as suas experiências em mulheres negras foram “não-consensuais”. A placa vai incluir também o nome das mulheres que se sujeitaram às experiências: Lucy, Anarcha e Betsey.

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