"Não existe um problema imediato de financiamento da Segurança Social"

Embora reconheça que não existe uma "crise iminente" na Segurança Social, Armindo Silva alerta que é preciso acautelar o futuro e que isso passa por desenvolver o sistema complementar de pensões.

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Com este Governo o debate sobre a Segurança Social tem-se centrado sobretudo nas fontes de financiamento. É preciso um debate mais alargado?
Este governo tinha no seu programa a ideia de fazer um estudo de avaliação da situação da Segurança Social. Estamos a mais de metade da legislatura, esse estudo não saiu e, entretanto, já se tomaram medidas que terão repercussão no futuro. 

É uma oportunidade perdida?
A Segurança Social vive uma situação favorável, na medida em que as receitas contributivas estão a aumentar e as despesas com desemprego estão a diminuir. Há um certo clima de apaziguamento e seria a ocasião para lançar um debate com base em dados e projecções credíveis.

Já disse que não há soluções mágicas, mas qual deveria ser o foco? Uma das propostas que faz no estudo que elaborou para a CCP parte do princípio de que o financiamento da Segurança Social com base na massa salarial não é sustentável.
Não existe um problema imediato de financiamento da Segurança Social. Não existe uma crise iminente, o que existe é a necessidade de acautelar o futuro. Em todas as projecções, Portugal aparece com a taxa de natalidade mais baixa e com o envelhecimento mais elevado da Europa e as consequências para o sistema de pensões são uma diminuição em termos relativos das receitas - se continuarem a ser baseadas na massa salarial - e um aumento da despesa com pensões. O que interessa neste momento é criar um consenso no país no sentido de reformar o sistema de financiamento, para que seja mais justo em termos de distribuição da carga contributiva entre sectores e entre empresas e para que dê maiores garantias de sustentabilidade no futuro, fazendo participar outras fontes de rendimento no esforço contributivo.

É nesse contexto que propõe que o capital passe também a contribuir para o sistema.
O que proponho é recorrer ao valor acrescentado líquido, o que significa fazer intervir numa proporção moderada o factor capital no esforço contributivo. Existem outras propostas interessantes que valia a pena discutir e fazer simulações e análises mais aprofundadas, nomeadamente aquela que passa por uma contribuição social generalizada. O Governo aceita, por uma série de declarações que têm sido feitas, a ideia de que as alternativas de financiamento não são uma questão fechada e continua a fazer esforços no sentido da diversificação, mas que não são acompanhados de qualquer debate e são muito limitados.

Há outro aspecto importante, que também tem a ver com o financiamento, e aí parece-me que seria possível tomar medidas num prazo mais apertado, que é a questão do sistema complementar de pensões. Aliás, o Governo no seu programa tem prevista uma dinamização do sistema complementar e até agora nada se viu. Portugal tem uma cobertura de população activa por pensões complementares das mais reduzidas da Europa. A questão é preocupante porque todas as estimativas apontam para uma redução do valor futuro das pensões, mesmo para as pessoas com carreiras contributivas completas.

Porque é que há resistência ao nível do sistema complementar?
É uma razão ideológica. Alguns sectores da sociedade vêem isso como uma financeirização ou uma privatização da Segurança Social. Isso terá influenciado o actual Governo, na medida em que são sectores de opinião muito próximos do Governo.

Não tem também a ver com o facto de os trabalhadores portugueses terem, em média, salários baixos?
Existem outras causas e uma razão importante é a financeira. A constituição de fundos alimentados por capitalização exige, numa primeira fase, um financiamento que, para não depauperar a Segurança Social, tem de ser adicional. E para se considerarem realisticamente as hipóteses, esta carga adicional terá de ser distribuída por trabalhadores, empresas e Governo. Mas isso só se pode fazer a partir do momento em que o Governo seja transparente em relação ao que nos aguarda no futuro quanto ao nível das pensões e em que faça um esforço pedagógico no sentido de alertar trabalhadores e empresas para a necessidade de apostarem mais na criação de planos de pensões, nomeadamente no âmbito da contratação colectiva. Não basta a pedagogia, os benefícios fiscais foram reduzidos substancialmente a partir de 2008/2009. Este é um trabalho que passa também pela concertação social.

As pessoas têm a percepção de que a sua reforma será suficiente?
A tradição em Portugal é que as pensões, embora baixas, ficariam num nível próximo do que era o salário antes da pensão. Com a crise e as medidas tomadas em 2011 e 2012 a confiança no sistema sofreu um forte abalo. Neste momento a crise está longe e, com o aumento das pensões, há o risco de as pessoas voltarem a ter um sentimento de segurança em relação às pensões do futuro, que são desmentidas pelas projecções que não são do domínio público. O Governo anunciou a criação de um simulador [que permite a cada um saber o valor da pensão a que vai ter direito]. É uma medida correcta e que ajuda, se for bem realizada, a uma maior transparência e a uma maior consciência dos riscos. Mas não basta.

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