Cuba, a leveza de uma transição anunciada

Aparentemente, em Cuba pouco ou nada mudará. Mas nem sempre as aparências correspondem ao que, por detrás delas, em silêncio germina.

A era Castro terminou em Cuba? Só à superfície, embora essa “era Castro” já antes se dividisse em duas: aquela em que Fidel deteve directamente as rédeas do poder e a que, já com o seu irmão Raúl Castro a substituí-lo, foi encenando sinais de abertura, mais social que política. O que hoje sucederá é a substituição de Raul, já com 86 anos e a caminho dos 87 (que completará em Junho), por Miguel Díaz-Canel Bermúdez, que fará 58 anos logo após a posse, no dia 20 de Abril. Porém, a única surpresa deste processo foi a antecipação, para hoje, do arranque dos trabalhos parlamentares em que tal mudança se consumará. Porque tudo o resto era previsível. Díaz-Canel, membro do politburo do Partido Comunista de Cuba e, desde 1997, primeiro vice-presidente do Conselho de Estado, é um homem do aparelho (no qual foi ascendendo com segurança ao longo dos anos) e já era dado como “natural” sucessor de Raúl Castro, assim como este era visto como sucessor óbvio do irmão. Além disso, Raúl continua à frente do Partido Comunista, onde se decide o rumo das políticas estatais, pelo que Díaz-Canel, abaixo dele na hierarquia, certamente se lhe submeterá.

Há, apesar de tudo, sinais de que algo possa mudar de forma mais acelerada agora. O primeiro é a urgência numa série de medidas (entre as quais avulta a reforma monetária) adiadas por desleixo, perante a bonomia de Obama, mas que agora, perante a hostilidade de Trump, devem ser levadas mais a sério. O segundo é o carácter do novo presidente que, embora refém do Partido Comunista que co-lidera, já nasceu após a revolução cubana (um ano depois, em 1960), e, segundo os seus conterrâneos de Santa Clara, onde nasceu, “é um homem de palavra” e exibe os traços de carácter dos campesinos, bem diferente dos habaneros, ou seja, será simples e humilde, afável mas reservado, trabalhador, dedicado e solidário. Numa sociedade como a cubana, ainda fortemente presa aos ditames da política não-democrática (a própria “escolha” de Díaz-Canel é fictícia, os deputados do partido único só vão ratificar uma decisão já tomada por Raúl Castro), isto pode servir de pouco. Mas com a pressão social, há muito detectada, para que sejam feitas mudanças, o carácter de quem preside pode acabar por beneficiar novos rumos à história.

A transição anunciada é, do ponto de vista político, de uma desmotivadora leveza. E aparentemente pouco ou nada mudará. Mas as aparências nem sempre correspondem ao que, por detrás delas, em silêncio germina.

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