Governo da Madeira queixa-se de Costa ao Presidente

Ronda de contactos entre autarca do Funchal e Governo em Lisboa enfureceu o executivo madeirense. Albuquerque avança com protesto formal para Belém e pede a Marcelo para "pôr ordem na casa".

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Miguel Albuquerque não revelou se a questão do incidente institucional foi abordada na reunião com Costa Mário Cruz/Lusa

O chefe do executivo madeirense, Miguel Albuquerque, confirmou nesta segunda-feira ao PÚBLICO que pediu uma audiência ao Presidente da República para apresentar um “protesto formal” pelo que considera ser um “absoluto desrespeito” pelos órgãos próprios da região autónoma.

Em causa, estão as duas reuniões, no final da semana passada, que juntaram o presidente da Câmara do Funchal, Paulo Cafôfo, com o primeiro-ministro e com o ministro da Saúde. Nos encontros, foram abordados dossiers pendentes entre a Madeira e o Governo da República, como a construção do novo hospital ou a revisão do subsídio de mobilidade aérea.

Para Albuquerque, que desde a pré-campanha das autárquicas vem repetindo que o primeiro-ministro está a utilizar o aparelho do Estado para tentar influenciar as eleições regionais do próximo ano, este périplo de Cafôfo por Lisboa foi a gota de água.

“É uma questão de confiança e de relacionamento no quadro institucional entre governos eleitos que, neste momento, requer uma intervenção do Presidente da República, no sentido de pôr ordem na casa”, argumentou Albuquerque, que durante o fim-de-semana já tinha falado de um “desrespeito absoluto” pelos órgãos próprios da região: assembleia legislativa e governo regional.

Tudo, porque, no entendimento do executivo madeirense, ao receber o autarca funchalense para falar de temas que dizem respeito aos dois governos, Costa ultrapassou o executivo regional, não respeitando as relações institucionais entre o Estado e a região autónoma.

A reunião de Paulo Cafôfo, o independente próximo do PS-Madeira que António Costa apoiou, com o primeiro-ministro foi anunciada pelo autarca através da imprensa regional. Numa entrevista ao JM-Madeira, publicada na sexta-feira, Cafôfo, que é apontado como cabeça de lista dos socialistas às regionais do próximo ano, disse que ia a Lisboa dar uma espécie de murro na mesa, para resolver as questões pendentes, acusando o governo de Albuquerque de estar “entrincheirado” e de “ampliar” o contencioso entre Funchal e Lisboa.

E se o simples anúncio já tinha sido mal recebido pelo executivo e pelo PSD local, à noite, quando o autarca surgiu em directo no telejornal da RTP-Madeira a comentar as reuniões que tinha mantido com o primeiro-ministro e com o ministro da saúde, o governo de Miguel Albuquerque ficou ainda mais irritado.

No dia seguinte, Albuquerque subiu de tom, prometendo levar o caso a Belém. É, diz, uma “questão institucional”, que é estrutural deste governo central. “Existe uma confusão entre aquilo que são os poderes do Estado, no sentido de manter um relacionamento institucional entre órgãos de governo próprio e da República, e aquilo que é a situação desses poderes de Estado para prosseguir fins de tomada de poder a qualquer custo na Madeira”, acusa o chefe do governo madeirense, notando que tanto o Estatuto Político-Administrativo da Madeira como a Constituição Portuguesa são claros sobre quem são os interlocutores próprios.

“Cabe ao executivo regional a responsabilidade de solucionar um conjunto de problemas regionais que estão pendentes e não a um presidente de câmara”, sublinhou.

Facto é que, mesmo antes de o ministro das Finanças, Mário Centeno, anunciar que o financiamento para a construção do novo hospital do Funchal constava do Programa de Estabilidade para 2018/2022, já Cafôfo tinha sido informado. O gabinete do primeiro-ministro não comenta reuniões que não constem da agenda oficial, como esta. Mesmo perante a insistência do PÚBLICO, São Bento refugiou-se na agenda desse dia, que não faz menção ao encontro.

Já o Ministério da Saúde confirma reunião entre o ministro Adalberto Campos Fernandes e Paulo Cafôfo, mas não adianta pormenores. O ministério, justificou fonte do gabinete de imprensa, não comenta reuniões internas.

Cafôfo foi mais directo. “Estive reunido, de forma separada, primeiro com o ministro da Saúde e depois com o senhor primeiro-ministro”, disse o autarca à RTP-Madeira, acusando o governo do PSD-Madeira de “construir muros”, em vez de “pontes”.

O autarca, que falou a partir dos estúdios da RTP em Lisboa, apontou o exemplo do hospital – que o governo madeirense diz que está a ser bloqueado pela República – para referir a boa vontade de António Costa em relação à Madeira. “O primeiro-ministro sempre disse, e reafirmou-me hoje, que os compromissos com a Madeira serão todos integralmente cumpridos”, continuou, desvalorizando a questão institucional do encontro.

“Todos nós, madeirenses, gostamos da nossa terra e devemos fazer aquilo que está ao nosso alcance, para influenciar e poder beneficiar todos e todas”, justificou, sublinhando o facto de ser presidente da Câmara do Funchal, a capital da região autónoma. “Não posso ficar indiferente àquilo que se passa com a Madeira”, disse, rejeitando qualquer anormalidade na audiência pelo facto de ser autarca e argumentando que, pelo que conhece de António Costa, qualquer presidente de câmara que queira será recebido em São Bento.

Mais contido foi Albuquerque. À saída do encontro que manteve esta segunda-feira com Costa, sobre o próximo Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia, o chefe do executivo madeirense não quis dizer se a questão institucional foi abordada. “Não falo das matérias que trato com o senhor primeiro-ministro”, respondeu ao PÚBLICO, confirmando sim que aproveitou para entregar um memorando detalhado com as matérias pendentes entre o Estado e a região autónoma.

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