No ensino secundário alunos carenciados vão passar à frente dos que estiveram na mesma escola no ano anterior

Directora de agrupamento do Porto fala de um acto "discriminatório". Responsável de escola de Lisboa alerta para a sua pouca eficácia, mas outros directores consideram que assim os alunos mais carenciados vão ter lugar nas escolas que estão próximo da sua casa, o que nem sempre acontecia.

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Sebastiao Almeida

O Ministério da Educação (ME) chegou a equacionar o estabelecimento de um “sistema de quotas” de modo a favorecer os alunos oriundos de meios desfavorecidos no acto de matrícula, permitindo-lhe o acesso a escolas que agora lhes estão interditas por não ficarem na sua área de residência. Mas esta não foi a solução adoptada no despacho que estabelece as novas regras de matrículas, que foi esta quinta-feira publicado em Diário da República.

“Foram estudados vários cenários, tendo-se concluído que a solução que está no despacho é a que melhor protege o interesse das escolas e alunos e promove uma maior equidade do sistema, sem pôr em causa a proximidade geográfica à escola”, esclareceu o ME em resposta ao PÚBLICO.

Determinou-se assim que as condições socioeconómicas das famílias vão ser o factor de desempate no caso de as escolas terem de seleccionar os alunos que vivam na mesma zona de residência por já não terem lugar para todos.

Mais concretamente, e apesar de se manter “o paradigma da proximidade geográfica entre a residência (ou o local de trabalho do encarregado de educação)”, tanto no ensino básico como no secundário a existência de apoios no âmbito da Acção Social Escolar (ASE) passou a figurar na lista das prioridades para a distribuição das vagas existentes nas escolas.

Ao todo há 10 situações nas prioridades para o ensino básico e nove para o secundário. À frente nestas listas mantêm-se os alunos com necessidades educativas especiais, aqueles que tenham irmãos na mesma escola e, no caso do básico, os que frequentaram o mesmo agrupamento no ano lectivo anterior. Esta última condição, que antes estava também em terceiro lugar no secundário, passa agora neste nível de ensino para o penúltimo lugar da lista.

É esta última alteração que leva a directora do Agrupamento de Escolas Clara de Resende, no Porto, Rosário Queirós, a dizer isto: “Acho inacreditável." Esta responsável ressalva que apenas leu “ainda o documento na diagonal e que portanto estas são as suas primeiras impressões”, mas lembra que os agrupamentos têm projectos educativos que estão concebidos para abranger os alunos desde o 1.º ao 12.º ano de escolaridade e que esta continuidade fica assim ameaçada.

“É incrível que haja alunos que possam passar à frente daqueles que já estavam na escola”, insiste. Entre esses alunos figuram os beneficiários da ASE, que no secundário ocupam a 4.º e 5.º prioridade. Rosário Queirós adianta que “compreende a bondade da medida”, mas considera que “infelizmente esta é discriminatória” em relação aos outros estudantes e talvez também em relação aos alunos que vão beneficiar dela.

“Haverá sempre zonas mais carenciadas”

“Duvido muito da sua eficácia”, afirma, pelo seu lado, a directora da Escola Secundária Rainha D. Amélia, em Lisboa, Isabel Le Gué. “Estando a sociedade tão estratifica e existindo contextos habitacionais tão diferentes, penso que não será por aqui que se resolverá o problema de fundo”, justifica, frisando que “haverá sempre zonas mais carenciadas” e que as escolas aí situadas “continuarão a reflectir o meio em que estão inseridas”.

Inicialmente, quando ainda estava a ser equacionado o sistema de quotas para os mais desfavorecidos, a Secretária de Estado da Educação, Alexandra Leitão, apresentou esta proposta como sendo uma forma de evitar que continuem a existir escolas onde 40% ou mais dos seus alunos venham de meios pobres e outras em que a situação é exactamente a inversa.

Por exemplo, no ensino básico, cerca de um terço das escolas (em mais de 900 para as quais o Ministério da Educação disponibiliza dados) estão inseridas em agrupamentos onde 50% ou mais alunos do 9.º ano têm acção social, que só é concedida a agregados com rendimentos iguais ou inferiores ao salário mínimo nacional.

Com a solução adoptada, o ministério considera que pelo menos “poderá garantir que na mesma área de residência” existam escolas com populações muito diferentes do ponto de vista socioeconómico, como sucede actualmente.

Para o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascenção, esta alteração é mais fácil de entender do que aquela que dita um maior controlo sobre as moradas. “É uma questão de justiça garantir que os alunos mais carenciados tenham lugar nas escolas que estão mais próximas da sua casa”, afirma.

O presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira, adianta que essa garantia não existia antes e que muitas vezes “as escolas encontravam formas de afastar” os alunos mais carenciados e que frequentemente têm também piores desempenhos escolares.

“No futuro as escolas públicas vão ter um público mais heterogéneo”, prevê o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, para acrescentar: “Não sei se vai produzir grandes efeitos na prática, mas é um sinal."

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