Os Simpsons desvalorizam controvérsia sobre o indiano Apu

Em Novembro, o canal truTV estreou The Problem with Apu, um documentário do cómico Hari Kondabolu sobre Apu Nahasapeemapetilon, a personagem indiana que é dona de uma loja de conveniência da série animada. Era sobre os estereótipos na qual assenta e a representação de pessoas de origem sul-asiática na ficção norte-americano. A própria série reagiu finalmente este domingo.

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Lisa e Marge em Os Simpsons DR

O mundo mudou bastante desde 1989, e a comédia também. Foi esse o ano em que Os Simpsons se estrearam. Ainda demorariam umas temporadas a chegar ao panteão dos melhores programas de televisão de sempre, mas desde cedo estabeleceram a sua relevância, piada e carácter único. Agora na 29ª temporada, são a sitcom que dura há mais tempo na televisão norte-americana. É natural que já não sejam tão importantes ou pertinentes. Há até um contingente de fãs que chama àquilo que está no ar desde o ano 2000, quando se estreou a 12ª temporada, Zombie Simpsons. Ou seja, parece-se com, e soa, à série que um dia foi, mas já não é a mesma coisa.

A longevidade de quase três décadas de mudança no ar serve para olhar para trás. No ano passado, Hari Kondabolu, um cómico nova-iorquino filho de pais indianos que é fã da série desde sempre, escreveu e protagonizou um documentário sobre Os Simpsons. Não era sobre a parca relevância da série nos dias de hoje, mas sim sobre uma personagem específica: Apu, o dono de uma loja de conveniência indiano a quem é dada voz por Hank Azaria. A ideia, sem apresentar soluções concretas e sem atacar ninguém, era analisar o impacto que Apu teve e a representação de pessoas de origem sul-asiática na cultura em geral. Kondabolu, que nasceu nos anos 1980, cresceu numa altura em que pessoas com o seu tom de pele estavam arredadas dos ecrãs de televisão. Apu, um estereótipo escrito por argumentistas que eram na sua maioria brancos, a quem era dada voz por um homem branco, numa imitação de outro homem branco: Peters Sellers interpretando um desastrado actor indiano em A Festa. 

Agora Os Simpsons responderam, num episódio que foi transmitido este domingo. Numa cena de No Good  Deed  Goes  Unpunished, Marge lê a Lisa uma versão de um livro ao qual foram tiradas as partes mais problemáticas. Lisa não gosta, e Marge queixa-se por o livro já não ser tão bom. “Bem, o que é que é suposto eu fazer?”, pergunta a mãe à filha. “É difícil dizer. Algo que começou há décadas e foi aplaudido e era inofensivo agora é politicamente incorrecto. O que é que se pode fazer?”, responde Lisa, e a imagem centra-se numa fotografia de Apu, com “Don’t have a cow, Apu” escrito.

Não é propriamente uma piada, mas também não é a primeira vez que a série reage às palavras de Kondabolu. Em 2012, quando era correspondente no talk show Totally Biased with W. Kamau Bell, e a propósito da estreia de The Mindy Project, a primeira sitcom criada e protagonizada por uma pessoa de origem indiana, Kondabolu fez um segmento a falar de Apu. E Os Simpsons responderam indirectamente, num episódio de 2016, Much Apu About Something, sobre o sobrinho de Apu que confrontava os estereótipos nos quais a personagem assenta.

O próprio Kondabolu reagiu no Twitter. As respostas começaram com: “Wow, ‘politicamente incorrecto?’ É isso que retiram do meu filme e da discussão que suscitou? Meu, eu adorava mesmo esta série. Isto é triste”. Segundo ele, a resposta da série não era um golpe contra ele, "mas sim contra aquilo que muitos de nós consideram progresso.” Ainda sublinhou outra vez o quanto respeitava a série: “Os Simpsons sempre criticaram a cultura pop, ridicularizaram a hipocrisia e atacaram instituições avariadas. APRENDI COM OS MELHORES.”

É uma reacção que fica aquém daquilo que o próprio Hank Azaria disse em Janeiro, quando declarou que os argumentistas estavam a "pensar muito" no assunto e iam abordar publicamente aquilo que iriam fazer de diferente, se fizessem algo, com a personagem de Apu. Ainda acrescentou: "A ideia de que alguém, novo ou velho, no passado ou no presente, foi alvo de bullying ou gozado, ou ainda pior, baseado na personagem do Apu de Os Simpsons, na sua voz ou em quaisquer outros elementos da personagem é angustiante."

Ainda para mais, Lisa nem sempre foi assim. O próprio ex-patrão de Kondabolu, W. Kamau Bell, argumentou que usarem Lisa, "a personagem que normalmente luta pelos mais desfavorecidos e é suposto ser a mais ponderada e liberal", é o que torna a resposta tão "ridícula", ou seja, "digna de ser ridicularizada" e sem força. Muitas pessoas no Twitter lembraram que em 1994, no 14.º episódio da quinta temporada de Os SimpsonsLisa vs. Malibu  Stacy, essa mesma personagem reparou no sexismo das falas de Malibu Stacy, uma boneca tipo Barbie que existe neste universo, foi ter com a marca que a fazia e foi gozada. Por isso, criou a sua própria boneca, menos sexista. Esta quarta-feira, o próprio Kondabolu escreveu no Twitter que, para "deixarem claro que não vão mudar o Apu de maneira nenhuma, Os Simpsons mudaram a Lisa".

No The Guardian, o jornalista Shuja Haider, norte-americano de origem paquistanesa, escreveu sobre o assunto e comparou a reacção da série a um momento de um episódio da quinta temporada, The Boy Who Knew Too Much, em que Skinner, o director da escola de Springfield, se pergunta se estará desligado da realidade, respondendo logo a seguir que são os miúdos que estão errados, uma fala que em 2013 se transformou num popular meme da internet. Haider disse que essas palavras eram "o sumário perfeito" daquilo que os próprios Simpsons são agora.

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