Três anos depois, o Alvarinho está bem e recomenda-se

Há três anos, a região de Monção e Melgaço estava em polvorosa: queriam autorizar a produção de Alvarinho no resto da região dos Vinhos Verdes. Afinal, os medos eram infundados. A autorização está em curso e de 2015 até ao ano passado as vendas do grande branco de Monção e Melgaço subiram 32%.

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Nelson Garrido

Afinal, o mundo não acabou para os produtores de Alvarinho da sub-região de Monção e Melgaço. Durante anos, muitos agricultores, alguns autarcas e poucos enólogos foram apregoando um desastre para a mais emblemática área de produção da região dos Vinhos Verdes caso se autorizasse o uso da designação “Alvarinho” fora dos concelhos de Monção e Melgaço. Há três anos esse momento aconteceu e, desde então, todos os cenários de catástrofe foram desabando um a um: as vendas de Alvarinho da sub-região registaram um crescimento de 32%; os preços na produção mantiveram-se num razoável patamar de um euro por quilograma — um dos valores mais altos do país; e, ao contrário dos piores receios, os produtores das outras sub-regiões do Vinho Verde mantiveram os seus hábitos agrícolas e não desataram a plantar Alvarinho a eito para inundar o mercado e acabar com a sobrevivência dos produtores da zona vinhateira mais setentrional do país.

O que se passou? “Para nós, o crescimento das vendas de Alvarinho foi uma surpresa”, diz Manuel Pinheiro, presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, a entidade que deu o pontapé de saída para a alteração das regras após uma deliberação do seu Conselho Geral tomada em 2014. Até porque, nessa altura, “havia riscos sérios” com a mudança prevista. Se o processo avançou foi porque a maioria dos agentes do Vinho Verde queria correr esses riscos e também porque a generalidade dos produtores e das empresas da região haviam já constatado que manter o privilégio do Alvarinho para quem fazia vinho em Monção e Melgaço era mais do que um anacronismo: era uma restrição que violava as regras europeias, como um parecer dos serviços jurídicos do Instituto da Vinha e do Vinho veio a confirmar.

O que então estava em jogo era o domínio exclusivo de um dos principais activos da região dos Vinhos Verdes. Seja na perspectiva da crítica ou dos consumidores, o Alvarinho é uma espécie de príncipe dos Vinhos Verdes — e para muitos o grande vinho branco de Portugal. Os produtores de Melgaço e Monção alegavam que a generalização do seu uso entre todos os produtores de Vinho Verde lhes iria retirar o trunfo principal do seu negócio e bateram-se contra as mudanças. A maior vulnerabilidade dos seus argumentos estava, no entanto, na nova realidade do vinho português: a plantação da casta tinha-se espraiado não só por todo o Minho como por todas as regiões do país. E a restrição dos Vinhos Verdes causava um absurdo: um produtor alentejano ou do Tejo podia vender vinho com a menção Alvarinho no seu rótulo; um produtor do Vinho Verde não podia — os que o faziam tinham de o declarar não como DOC, mas como IG (Indicação Geográfica, uma versão mais plebeia das denominações de origem).

Depois de intensas negociações, a CVRVV conseguiu um acordo no âmbito de um grupo de trabalho que só seria recusado por Pedro Soares, o representante da Quintas de Melgaço. Estabeleceu-se então um prazo de seis anos, no fim do qual a produção de Alvarinho com direito a usar a denominação de origem Vinho Verde seria alargada a toda a região — há, no entanto, uma cláusula de salvaguarda que pode adiar esse prazo. Os produtores de qualquer zona podiam combinar lotes de Alvarinho com outras castas, o que permitiria um maior fluxo de trocas entre a sub-região de Monção e Melgaço e outras áreas do Vinho Verde. Os Alvarinhos da sub-região onde a casta tem o seu solar poderiam usar a referência à sua origem — um privilégio exclusivo que, com o tempo, tende a criar um valor de marca. E para que tudo ficasse devidamente consolidado, a CVRVV dispôs-se a investir três milhões de euros na promoção do Alvarinho de Monção e Melgaço ao longo de seis anos.

Notoriedade à casta

A meio do horizonte temporal do acordo, os resultados ficaram acima das expectativas. Enquanto o Vinho Verde cresceu 5%, o Alvarinho de Monção e Melgaço cresceu seis vezes mais. O dinamismo da região nota-se com uma vaga de investimento no plantio e na renovação de vinhas para dar resposta “à sua manifesta escassez de matéria-prima”, como nota Manuel Pinheiro. E fora da sub-região o Alvarinho continua a suscitar um interesse discreto porque “a sua produtividade por hectare é muito mais baixa do que castas como Loureiro ou Trajadura”, continua o presidente da CVRVV. Ou seja, os receios de Monção e Melgaço revelaram-se infundados.

Depois, na sequência das alterações às regras de produção, os Vinhos Verdes assistiram a uma explosão na produção e comércio de vinhos feitos com lotes de Alvarinho e de outras castas indígenas. De 2015 para 2017, o comércio de vinhos que combinam Alvarinho e Trajadura passaram de 2,9 para 3,3 milhões de euros (nesta categoria, a marca Muralhas continua a ser um fenómeno); mas, mais impressionante é o desempenho da combinação Alvarinho/Loureiro, proibida até 2015, que partindo do zero atingiu no ano passado valores de comercialização muito próximos do milhão de euros.

Para a Comissão dos Vinhos Verdes, tudo isto é lucro: Monção e Melgaço é hoje uma zona mais integrada na região, há novos vinhos de uma gama superior de preços a afirmar-se e o Alvarinho está sólido na sua afirmação nacional e internacional. Teria valido a pena tanta polémica? Descontando os estilhaços provocados pela política local, talvez sim. É o próprio Manuel Pinheiro a reconhecer que “o debate foi muito político, mas deu notoriedade à casta”. Não haverá nada a discutir em torno do Avesso, ou da Trajadura, ou da Pedernã?

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