Alterações à lei de identidade de género aprovadas na especialidade

Proposta conjunta vai a votação final global no próximo dia 13. Se tudo correr como previsto, os maiores de 16 anos poderão requerer mudança de género no registo civil sem relatório médico e desde que contem com a autorização dos pais.

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RUI GAUDêNCIO

As mudanças à lei da identidade de género foram aprovadas esta tarde na votação da especialidade pelos deputados da Subcomissão Para a Igualdade e Não Discriminação da Assembleia da República, com os votos de PS, BE, Verdes e PAN, a abstenção do PCP e o voto contra do PSD. 

Se tudo correr como previsto, a proposta final, que nasce da fusão da proposta do Governo com os projectos de lei do BE e do PAN, vai a votação final global na sexta-feira da próxima semana, dia 13 de Abril, onde deverá passar por apenas um voto, já que, além dos votos contra do CDS/PP, o PSD, que avançou entretanto com uma proposta própria, deverá manter a sua discordância face à possibilidade de a mudança de nome e registo civil por pessoas transexuais se fazer sem necessidade de um relatório médico que ateste a disforia sexual.

Na votação artigo a artigo desta tarde, passaram os pontos que uniam as três diferentes propostas e que abrem a possibilidade de a mudança de género no registo civil se fazer logo a partir dos 16 anos, em vez dos actuais 18, desde que com autorização dos pais ou encarregados de educação e sem necessidade de qualquer atestado médico.

A proposta do BE ia mais longe, ao prever que, logo a partir dos 16 anos, a mudança se pudesse fazer, mesmo que à revelia da vontade dos pais. Mas este ponto foi chumbado. "Apesar de considerarmos que se podia ter ido mais longe, estamos muito satisfeitos. Estas alterações traduzem um enorme avanço e estou certa que vão colocar Portugal no top cinco do ranking do respeito pelas pessoas LGBTI [lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexo]", reagiu ao PÚBLICO a deputada bloquista Sandra Cunha.

O Bloco viu igualmente rejeitadas as propostas de alargar estas mudanças aos imigrantes com título de residência válido e aos requerentes de asilo, "alguns dos quais fugiram dos seus países de origem por terem sido ameaçados de prisão pelo facto de serem transexuais".

Rejeitada foi ainda proposta que apontava para a gratuitidade das taxas emolumentares para alteração de registo civil, prevista igualmente no projecto do Bloco, bem como a gratuitidade do pedido de segunda via de documentos como diplomas escolares.

Vidas "menos ofendidas"

As alterações agora aprovadas, e que serão na quarta-feira apresentadas na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, permitirão na prática que qualquer pessoa com nacionalidade portuguesa que não se identifique com o sexo com que nasceu possa dirigir-se a uma conservatória de registo civil e requerer a mudança de género, desde que não esteja inabilitada por qualquer anomalia psíquica. Até agora, tal pretensão teria que estar atestada por um relatório médico.

No caso dos menores com idades entre os 16 e os 18 anos, o relatório médico também deixa de ser preciso, desde que o menor se faça acompanhar de autorização dos pais ou encarregados de educação. 

"Neste momento, há mulheres, homens e adolescentes transexuais que estão a olhar para o Parlamento com esperança de que a sua vida seja dignificada e que a sua autonomia seja reconhecida sem que dependam da aprovação de terceiros, de um olhar médico, para dizerem quem são perante o Estado. Estas pessoas não são doentes e não precisam de autorização médica para se afirmarem", congratulou-se a deputada do PS, Isabel Moreira.

Apesar de se tratar ainda de uma "primeira vitória", dependente ainda da votação final global, a deputada socialista sustenta que esta sexta-feira foi "um dia histórico" que permite perspectivar para os transexuais "uma vida menos ofendida e menos dolorosa". 

A proposta do Governo, recorde-se, proíbe ainda a realização de cirurgias e intervenções farmacológicas a bebés intersexo (quando nascem com órgãos genitais ambíguos) até que estes possam manifestar a sua identidade de género, a não ser que tais intervenções sejam ditadas por comprovado risco para a saúde. 

Apesar de se afirmar a favor da autodeterminação sexual, nomeadamente do abaixamento do limite etário mínimo para os 16 anos, o PSD discorda da dispensa de relatório médico para que a mudança no registo civil se concretize. Na proposta que apresentaram, os sociais-democratas fazem assim depender a mudança de sexo da apresentação de um "relatório elaborado por equipa multidisciplinar de sexologia clínica [...] que comprove a disforia de género e a ausência de condição psíquica que possa comprometer a expressão da vontade de forma livre e esclarecida". 

O artigo que previa a dispensa do aval médico mereceu a abstenção do PCP, que, no restante, votou a favor das alterações à actual lei, sendo que o CDS/PP não se fez representar nesta votação. 

Do "lado certo" da História

Do lado da Ilga Portugal, uma instituição particular de solidariedade social que se dedica a promover a integração social da população LGBTI, apelou em comunicado à aprovação destas mudanças em votação final global, por considerar estarem em causa "direitos fundamentais ainda negados pelo Estado". 

"Estamos confiantes que o Parlamento português vai estar do lado certo da História", declarou o presidente da Ilga Portugal, Nuno Pinto, sublinhando que, a serem aprovadas, estas alterações permitirão que as pessoas trans possam "decidir autonomamente a alteração do nome e sexo legal no registo civil, separando a esfera clínica da legal e, a menos que as intervenções cirúrgicas sejam necessárias para a sua sobrevivência, proibirá mutilações genitais à nascença no caso de bebés e crianças intersexo". 

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