Costa reforça financiamento das artes com mais 2,2 milhões de euros

Numa carta aberta, o primeiro-ministro reitera que não está em causa o novo modelo e garante que as decisões do júri serão respeitadas, deixando um aviso: não há apoios "vitalícios".

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"Para podermos ter a serenidade necessária à correcta avaliação deste novo modelo e sua eventual correcção, devemos aumentar a dotação orçamental. Foi isso que decidimos", escreve António Costa Reuters/PEDRO NUNES

Atendendo a uma das principais reivindicações do meio artístico insistentemente manifestadas nas últimas semanas, e antecipando-se ao debate quinzenal desta tarde, o primeiro-ministro anunciou nesta quinta-feira um novo reforço de 2,2 milhões de euros na dotação do programa de apoio às artes, que atinge agora 19,2 milhões de euros, ultrapassando o referencial de 2009 (18,5 milhões, segundo o Governo; 18,9 milhões, segundo a Performart) defendido como patamar mínimo por várias entidades representativas do sector. O novo aumento agora anunciado, argumenta António Costa, "simboliza e reafirma, em actos e não apenas em palavras, a aposta [do Governo] na cultura e na criação como uma prioridade estratégica e um desígnio nacional".

A distribuição destes 2,2 milhões de euros adicionais, confirmou o PÚBLICO junto da Secretaria de Estado da Cultura, far-se-á de acordo com as regras divulgadas na terça-feira pela DGArtes para a repartição do reforço prévio de dois milhões de euros: só serão contempladas candidaturas elegíveis, serão respeitadas as avaliações dos júris dos concursos e a hierarquização constante das respectivas propostas de decisão, a dança e o circo contemporâneo e artes de rua ficam de fora e cada região não pode obter mais do que 45% do montante global do concurso. O teatro, com uma fatia de 45% do montante disponível, é a área mais reforçada; cruzamentos disciplinares e música mantêm as suas quotas de 23% e as artes visuais ficam com 9% do reforço.

A decisão foi transmitida pelo primeiro-ministro através de uma carta aberta que dirigiu ao sector da cultura, e que foi publicada no portal do Governo pelas 7h. "Para podermos ter a serenidade necessária à correcta avaliação deste novo modelo e sua eventual correcção, devemos aumentar a dotação orçamental", escreve António Costa. Na mesma carta, elogia a acção do ministro e do secretário de Estado da Cultura, cuja demissão foi pedida na quarta-feira por estruturas como a Companhia de Teatro de Braga, e defendida no PÚBLICO pelo colunista Augusto M. Seabra, e adia para mais tarde a discussão sobre o novo modelo que incendiou o meio artístico, elevando a contestação a níveis que só terão tido paralelo nos anos de austeridade, quando o Governo de Pedro Passos Coelho aplicou um corte cego de 40% ao financiamento das estruturas apoiadas pelo Estado em regime bienal ou quadrienal.

Mas outra das exigências que lhe têm sido feitas nas últimas semanas, a de uma radical revisão do modelo de apoio às artes que entrou em vigor no ano passado após um longo processo de redefinição, não será atendida, pelo menos no curto prazo. O Governo, escreve Costa, numa resposta às várias mensagens que nos últimos dias lhe foram directamente endereçadas, "não põe em causa o modelo com base no qual o concurso foi realizado". Pelo contrário, indica, os resultados do concurso e as decisões do júri serão integralmente respeitados: "Não prejudicamos as 140 entidades que beneficiaram do apoio, não alteramos a avaliação do júri e respectiva hierarquização, e criamos aqui o espaço necessário para uma reflexão serena sobre o novo modelo de concurso que deve ser consolidado." 

Reiterando a disponibilidade entretanto manifestada na segunda-feira pelo ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, e depois de novo assumida pelo secretário de Estado, Miguel Honrado, na sua conferência de imprensa relâmpago do dia seguinte, o primeiro-ministro admite ainda assim que as "críticas que têm sido formuladas" serão "ponderadas para melhorias futuras", de forma a "não interromper o apoio a entidades que no passado dele beneficiaram". Mas só depois, insiste, de uma avaliação definitiva.

"Não há apoios vitalícios"

A lista definitiva das estruturas apoiadas após a distribuição dos 4,2 milhões adicionais que vêm reforçar a dotação dos concursos para 2018 deverá ser divulgada já esta tarde. Permitirá às candidaturas consideradas elegíveis, mas que a limitativa dotação inicial dos concursos não permitiu que recebessem financiamento, passarem à lista de entidades apoiadas. Mas deixará de fora, como António Costa tornou bem claro, aquelas que não obtiveram do júri a pontuação mínima necessária (60% em cada um dos critérios de avaliação) e que por isso foram consideradas não elegíveis. Uma posição que contraria as declarações feitas pelo ministro da Cultura à RTP na segunda-feira à noite, quando garantiu que o Estado "não deixará cair estruturas que, quer pela sua história, pelo seu passado, quer pela actividade que têm hoje e pela renovação que têm sabido fazer, merecem apoio".

A carta do primeiro-ministro distingue claramente as "entidades que os júris consideraram não serem merecedoras de apoio" daquelas que o júri declarou elegíveis "mas que o montante orçamental não permitiu financiar". Quanto às primeiras, entre as quais se encontram a Casa Conveniente de Mónica Calle, o histórico Teatro Experimental do Porto, a Cão Solteiro e o Festival Internacional de Marionetas do Porto, frisou que "não compete ao Governo discutir as decisões do júri" ou "ter qualquer tipo de intervenção", avisando que "não há apoios vitalícios" e afastando o cenário de uma subsidiação directa à margem dos resultados do concurso. "Se houve violação das regras do concurso ou erros na apreciação das candidaturas, os interessados podem e devem reclamar, desde logo na fase de audiência, que quanto ao teatro ainda está a decorrer", recomendou, confirmando as indicações já avançadas por Miguel Honrado na sua conferência de imprensa.

"Dar a centralidade à cultura"

Na carta aberta, o primeiro-ministro contesta veementemente a ideia de que o seu Governo reduziu o apoio às artes. "Pelo contrário, do anterior ciclo de financiamento para o actual, houve, desde o início, um aumento de 41%. Os números são claros. No quadriénio 2013-2016, a verba alocada foi 45,6 milhões de euros. No ciclo 2018-2021, agora a concurso, a verba inicial era de 64 milhões de euros", aponta. O reforço de 1,5 milhões que anunciou pessoalmente no passado dia 20 de Março, após a constatação de que "havia um sério risco de vários projectos merecedores de aprovação por parte dos júris poderem vir a não ser contemplados", e que foi entretanto complementado com mais 500 mil euros saídos do orçamento da DGArtes, elevou esse aumento para 72,5 milhões de euros, ou seja, "mais 59% face ao ciclo anterior". 

O primeiro-ministro quis lembrar ainda que, no total das seis áreas artísticas, foram admitidas a concurso 242 das 250 candidaturas apresentadas, "140 das quais mereceram a aprovação do júri e têm os seus apoios assegurados", o que significa que "a maioria dos candidatos irá receber apoio". Destas 140, "82 viram o seu apoio aumentado face ao ciclo anterior e 48 novas entidades passaram a beneficiar de apoio".

"A política de cultura", remata no final da carta, "não pode esgotar-se numa discussão orçamental". E enumerando a reposição do Ministério da Cultura na orgânica do Governo e "decisões históricas da maior importância", como a de não alienar a colecção Miró ou a de adquirir as obras de Vieira da Silva que pertenciam aos herdeiros de Jorge de Brito e a Anunciação de Álvaro Pires de Évora agora integrada na colecção permanente do Museu Nacional de Arte Antiga, o primeiro-ministro insiste que "o compromisso de dar centralidade à cultura" é "sério, seguro e para ser continuado". Uma posição que será certamente retomada esta tarde no debate quinzenal da Assembleia da República, em que o tema será arma de arremesso da oposição, tal como já sugerido pelos partidos à esquerda e à direita do PS.

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