Só há 30 psicólogos nas prisões e ganham cinco euros brutos à hora

Apenas 11 das 103 vagas para integrar vários profissionais de saúde nas prisões foram preenchidas. Quatro empresas fornecem actualmente mais de sete mil horas semanais de cuidados. Tutela não sabe a quantos profissionais é que isso corresponde.

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Marcelo Rebelo de Sousa visitou nesta quarta-feira o estabelecimento prisional feminino de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos Manuel Fernando Araújo/Lusa
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O Presidente da República diz que há mudanças nas cadeias face às condições denunciadas em relatório europeu do Comité para a Prevenção da Tortura Manuel Fernando Araújo/Lusa
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"O relatório é de 2016, saiu agora, mas corresponde a uma missão, a uma análise de factos de há dois anos. Nomeadamente no que toca à sobrelotação das prisões houve em geral alguma mudança", afirmou Manuel Fernando Araújo/Lusa

Recebem cinco euros brutos por hora, a recibos verdes e a maioria “está longe de ter um horário completo”. A precariedade laboral dos 30 psicólogos que trabalham nas prisões portuguesas “é imensa” e compromete a capacidade de se observarem melhorias na reinserção social e nos níveis de reincidência dos reclusos, entende o bastonário da Ordem. Francisco Miranda Rodrigues vê como única opção que o Governo não renove os contratos com empresas prestadoras de serviços de saúde e psicologia, e contrate directamente estes profissionais. Isto à semelhança do que propõe o PCP, num projecto de lei que é discutido nesta sexta-feira no Parlamento.

Também para o BE e o PAN, que apresentaram projectos de resolução, é urgente acabar com o recurso a este tipo de empresas.

A contratação de empresas de trabalho temporário é transversal à área da saúde nas prisões, como admite a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) e o Ministério da Justiça. Actualmente estão contratadas, a quatro empresas, 7150 horas semanais a médicos, enfermeiros, psicólogos, técnicos de farmácia, técnicos de radiologia, farmacêuticos e auxiliares de acção médica, detalha a tutela.

No entanto, o caso dos psicólogos é paradigmático, diz o bastonário, por não haver um modelo alternativo de contratação destes profissionais nas prisões. Há quatro anos que a Ordem anda a repetir os mesmos números: só há 30 psicólogos para 14 mil reclusos em 49 estabelecimentos prisionais.

A tutela das prisões e o Ministério da Justiça reconhecem, em resposta ao PÚBLICO, que, “face à necessidade de recrutamento de técnicos de saúde que garantam a prestação de cuidados de saúde em todos os estabelecimentos prisionais e centros educativos”, não há recrutamento directo de profissionais. E, uma vez que a contratação é feita por horas, não sabem quantos é que, trabalhando para estas empresas, prestam serviços de saúde ao sistema prisional.

Se se desse o caso de cada profissional trabalhar 35 horas, estaríamos a falar de mais de 200 pessoas. No entanto, no caso dos psicólogos, “são raros os contratos completos”, diz o bastonário. No estabelecimento prisional de Lisboa, por exemplo, três psicólogas dividem 50 horas semanais de serviço de psicologia. Em Paços de Ferreira um psicólogo faz as 19 horas por semana. No Vale do Sousa o único profissional trabalha 20 horas.

Não sendo nova esta questão – no ano passado foi criado um grupo de trabalho conjunto entre a Justiça e a Saúde para melhorar os cuidados de saúde nas prisões e num relatório recente o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura apontou "falhas na assistência médica e na prescrição de medicamentos para os reclusos" – Francisco Miranda Rodrigues considera a precariedade tem-se agravado por ser prolongada.

“Não há justificação para uma situação destas quando os compromissos assumidos pelo Estado, quer na lei, quer perante instâncias internacionais, preconizam a diminuição da reincidência, que os estudos situam nos 50%”, afirma o bastonário, que defende a estabilização de “um mínimo de profissionais que permita fazer um trabalho permanente, sustentado e eficaz”. Com este “tipo de retribuição e vínculo”, acredita que “não é razoável que um psicólogo construa um projecto de vida”, assim como “não é credível que um recluso possa trabalhar positivamente a sua reinserção social, por exemplo, com uma pessoa que muda de seis em seis meses”.

11 de 103 vagas preenchidas

A tutela já fez saber que está tentar mudar o paradigma, com vista a “dotar os serviços clínicos de cada estabelecimento prisional com profissionais de saúde do quadro”. Para isto, lançou cinco concursos para recrutamento, no ano passado. Um deles, para a contratação de 24 enfermeiros, é o único a decorrer e conta com 555 candidatos.

Contudo os concursos anteriores não conheceram o mesmo sucesso. Depois de dois concursos desertos e um pouco concorrido, das 103 vagas disponíveis na área da saúde (sem incluir o procedimento a decorrer), apenas 11 foram até agora preenchidas. Entraram assim ao serviço, já este ano, quatro psiquiatras e sete enfermeiros, estes últimos em regime de mobilidade ou cedência de interesse público.

Pressão à esquerda

O PCP vai nesta sexta-feira propor ao Governo a adopção de medidas, até final deste ano, para que os serviços de saúde e psicologia sejam assegurados por profissionais próprios. “Não é aceitável que seja o Estado a patrocinar, com dinheiros públicos e em serviços públicos, a precariedade da contratação de médicos, enfermeiros e psicólogos, em condições inaceitáveis, para prestar um serviço manifestamente deficiente”, afirma o grupo parlamentar no projecto de lei.

Também os deputados do BE entendem que o Estado se está a demitir das suas obrigações ao contratar em regime de outsourcing. E traçam um cenário de “precariedade e falta de cuidado do Estado” nas prisões: multiplicam-se os “vínculos precários”, em que está “ausente o cumprimento de direitos laborais e sociais elementares e com uma remuneração abaixo dos mínimos aceitáveis”. Segundo os bloquistas há profissionais de saúde a receber 3,75 euros líquidos à hora.

“E, além disso, o facto de a prestação de cuidados de saúde e de acompanhamento psicológico nos estabelecimentos prisionais ser assegurada segundo uma lógica de ‘quem dá menos’, é uma perversidade que o nosso Estado de Direito só pode repudiar”, lê-se no projecto de resolução, onde o Bloco recomenda ainda que o Governo promova a fiscalização das condições laborais nas cadeias.

O PAN vai no mesmo sentido e recomenda à tutela que garanta a estabilidade contratual e salarial dos psicólogos, chamando a atenção para o seu importante papel na “redução da reincidência dos comportamentos criminais e reintegração dos reclusos na sociedade”.

“Não podemos ignorar que a taxa de mortalidade por suicídio nas prisões portuguesas é de aproximadamente 16 suicídios por 10 mil detidos, muito superior à média europeia que é de menos de metade, e que um em cada dois reclusos reintegrados na sociedade reincide e regressa à prisão”, afirma o deputado André Silva. No seu projecto de resolução, recomenda que o executivo faça ainda um levantamento das necessidades, promova a contratação de psicólogos e invista na prevenção e promoção da saúde psicológica em contexto prisional.

A DGRSP e o Ministério da Justiça asseguram que o sistema prisional “garante a todos os reclusos (como a qualquer cidadão) a prestação integral de cuidados de saúde em articulação com o Serviço Nacional de Saúde (SNS)”.

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