Bloco e PCP ralham, mas a Cultura não deverá ser um espinho no casamento com o Governo

Partidos votam esta quarta-feira pedido de audição ao ministro ao Parlamento sobre o apoio às artes.

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António Costa durante a campanha de 2015 num almoço com personalidades da cultura Paulo Pimenta

Apesar de ter anunciado no sábado um reforço das verbas disponíveis para o apoio às artes, o ministro da Cultura não deverá escapar a ser obrigado a explicar no Parlamento, dentro de poucos dias, o turbulento processo de candidaturas e os resultados dos concursos que nas últimas semanas vêm agitando o sector. A comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto vota esta quarta-feira os requerimentos do PCP (com carácter de urgência) e do Bloco de Esquerda para a audição de Luís Filipe Castro Mendes e da directora-geral das Artes, Paula Varanda. E antes disso ouve a directora regional de Cultura do Centro, Celeste Amaro, na sequência dos elogios que esta fez há um mês a uma companhia teatral de Leiria que “não incomoda” a pedir dinheiro ao Estado.

A falta de investimento na área da Cultura tem sido um dos cavalos de batalha de bloquistas e comunistas contra o Governo – no caso do Bloco, não será alheio o facto de Catarina Martins, que há dias classificou a acção do Executivo nesta matéria como uma “desilusão”, ter sido actriz antes de se tornar deputada. Até que ponto isso pode deteriorar a relação entre as três partes que asseguram uma maioria governativa não é, no entanto, possível perceber. Ao PÚBLICO, o sociólogo Pedro Magalhães disse que não há estudos acerca da percepção da opinião pública sobre a política do Governo para a Cultura. Se os houvesse, talvez fosse possível aferir que o entusiasmo que levou centenas de personalidades da área a assinarem o manifesto de apoio a António Costa em 2014 terá esmorecido.

Não obstante o barulho que bloquistas e comunistas possam fazer, pouco poderão exigir a António Costa: nas posições políticas conjuntas que assinaram em Novembro de 2015, a Cultura aparece referenciada uma vez no caso do Bloco e duas no caso do PCP e do PEV, documento em que se assume a “disposição e determinação” de “relançar o investimento na educação, na cultura e na ciência”. Nada mais.

A deputada Ana Mesquita, a voz crítica do PCP à política cultural do Governo, afirma que este continua a ser um ministério “subfinanciado e suborçamentado”. Além da ausência de meios, assinala também a “falta de uma política coerente” e a atitude distante por “não se envolverem as estruturas e os trabalhadores do meio artístico na construção das soluções”. Lembra o caso dos trabalhadores do património em greve na Páscoa ou a definição dos critérios para os concursos de apoio às artes, cujo envelope financeiro até o júri considerou “insuficiente”.

Têm sido estes partidos a chamar a tutela da Cultura ao Parlamento em diversas ocasiões e também é por sua iniciativa que se tem discutido o assunto em plenário. Ainda em Fevereiro o ministro esteve na mesma comissão a pedido dos dois partidos para falar sobre a RTP, sobre a revisão do sistema de apoios públicos ao cinema e sobre a estratégia e as competências do ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual); mais recentemente, voltou ao Parlamento para explicar os atrasos nos concursos relativos aos apoios plurianuais atribuídos pela Direcção-Geral das Artes.

Antes, em Janeiro Castro Mendes foi ouvido, a pedido do PCP, sobre o processo de transferência das instalações do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS) e em Junho do ano passado o mesmo partido quis que o ministro se explicasse sobre o que tencionava fazer para evitar novos actos de vandalismo como o que destruiu parte da gravura da rocha 2 de Priscos e acerca do futuro da Fundação Côa Parque. A par disso, o PCP apresentou no ano passado um pacote de apoios para as artes, que passavam pela consignação de uma verba total de cerca de 25 milhões de euros, de forma a recuperar o nível de investimento público de 2009, mas não conseguiu fazer vingar a larga maioria dessas propostas no Orçamento do Estado para este ano. O partido não desistiu no entanto do princípio de dotar a Cultura com 1% do OE (em vez dos actuais 0,2%). E se essa era já uma palavra de ordem em manifestações organizadas à esquerda durante o Governo de Pedro Passos Coelho, os slogans voltaram à rua no ano passado em acções organizadas pela plataforma Cultura em Luta.

Mas não é só na falta de dinheiro que a Cultura tem sido um parente pobre no Governo. A escolha dos responsáveis pela pasta também não tem demonstrado que António Costa queira realmente dar peso político a uma área que parecia destinada a ganhar proeminência com a chegada de um Governo suportado por uma maioria de esquerda. Basta lembrar que o seu primeiro ministro da Cultura, João Soares, demitiu-se quatro meses depois de tomar posse na sequência de uma publicação no Facebook em que dizia esperar “ter a sorte” de poder dar “bofetadas” ao crítico do PÚBLICO Augusto M. Seabra e ao comentador Vasco Pulido Valente. 

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