“É a minha casa. Já foi.” As demolições voltaram ao Bairro 6 de Maio

Autarquia diz que foram esta terça-feira demolidas 13 habitações, mas que quem ainda aí morava já tinha sido realojado pela câmara municipal ou aderido aos programas de apoio ao auto realojamento.

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Nuno Ferreira Santos
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“Eh, pá! É a minha casa. Já foi”. Cláudia Lopes vai em passo apressado ver as paredes cor-de-rosa e azuis que davam vida à casa onde nasceu e viveu durante 30 anos serem deitadas abaixo por uma retroescavadora. Esta terça-feira, as demolições recomeçaram no Bairro 6 de Maio, na Amadora. “É a vida”, lamenta Maria, de 65 anos, a mãe de Cláudia que ali chegou ao bairro “bem novinha”, vinda de Cabo Verde. Já nem se lembra há quantos foi, mas diz que os filhos ali nasceram todos. A mais velha vai fazer 40.

As máquinas chegaram de manhã cedo, o bairro foi cercado por unidades de intervenção da PSP. Pouco depois das 16h00, logo à entrada, uma casa amarela é arrasada. Sobram as tijoleiras do que já foi o chão de uma casa. Precária, reconhece quem ali vive ou viveu, e que repara que hoje por cada uma que ainda está de pé, já foram demolidas duas ou mais. Sobram umas escadas pretas em caracol que, entretanto, cedem, e, aponta quem por ali está, não devem restar mais de 20 famílias no bairro que está transformado numa sucata de lixo e entulho. 

A câmara da Amadora diz que foram deitadas abaixo 13 casas esta terça-feira. Questionada pelo PÚBLICO, a autarquia explica que as construções que foram demolidas “foram anteriormente ocupadas por agregados familiares já realojados pela câmara municipal ou por famílias que tenham aderido aos programas de apoio ao auto realojamento e, por isso, após celebração de contrato com a autarquia, receberam o respectivo subsídio financeiro a fundo perdido para aquisição ou arrendamento de habitação”. O que quer dizer que quem viu a sua casa derrubada tem já uma “alternativa habitacional”.

Cláudia estava a preparar-se para ir para o trabalho quando viu as máquinas chegarem. “Desligaram a luz, a água. Foi tudo de repente”, conta. Percebeu que a casa poderia ser demolida. Restou-lhe arrumar as últimas coisas que faltavam e levá-las para a casa da irmã, que também mora no bairro, mas cuja casa ainda não está para ir abaixo. É lá que vai ficar, por agora, enquanto trata das papeladas para comprar uma casa nova. 

“As coisas, às vezes, não são fáceis de resolver. Eu já estava um bocadinho à espera. Sabia que a qualquer momento podiam chegar sem avisar, nem nada”, lamenta a jovem enquanto ajeita as tranças arroxeadas. É precisamente isso que critica, que a câmara da Amadora não deixe qualquer aviso de quando vai avançar com a demolição das habitações que restam. 

“Deram mesmo ordem que era para sair. Estava em casa com os meus dois filhos. A minha sorte é que tenho a minha irmã aí ao lado e meti lá as minhas coisas”, conta. Cláudia é um dos casos que está a tratar do próprio realojamento. Está a tentar comprar uma casa com a ajuda da autarquia, mas “as coisas não são fáceis de resolver”. “Pedem muitos papéis”, queixa-se. Lamenta, por isso, que a câmara da Amadora parta para a demolição das casas sem que as famílias tenham a sua situação resolvida. 

Já em Janeiro, a Câmara da Amadora tinha tentado deitar abaixo uma casa onde viviam pessoas que estavam a ser despejadas sem ter alternativa. Mas dezenas de activistas reuniram-se e impediram que as retroescavadoras começassem a funcionar. Na altura, a autarquia disse ao PÚBLICO, que continuava empenhada na “erradicação dos núcleos degradados”, mas que não ia suspender as demolições

Desde 1995, ano em que foi assinado o Programa Especial de Realojamento (PER), segundo a câmara da Amadora, foram excluídos do projecto de realojamento no concelho 170 agregados familiares, “que não têm direito ao arrendamento de uma habitação social”. Nesses casos, o apoio que a autarquia dá passa simplesmente pela ajuda na procura de uma habitação. Haverá ainda 13 agregados do PER por realojar. De acordo com o que o jornal i avançou em Janeiro, para aqueles terrenos onde estão a ser demolidas as casas está pensado um novo projecto urbanístico.

“Não desisto nunca. É só mais uma fase má”, há-de repetir Cláudia enquanto olha para a casa onde nasceu e cresceu desfeita em pedaços no chão.

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