Malásia aprova lei contra "notícias falsas"

Advogados, activistas e críticos do primeiro-ministro Najib Razak acusam o Governo de criminalizar notícias incómodas a poucos meses das eleições.

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Os cartazes de apresentação da nova lei LUSA/FAZRY ISMAIL

A Malásia aprovou esta segunda-feira uma lei que passa a punir a elaboração e disseminação do que entender serem "notícias falsas". A nova lei prevê uma pena de prisão de até seis anos e também visará cidadãos estrangeiros que partilhem "notícias falsas" sobre a Malásia ou sobre um cidadão malaio.

Activistas dos direitos humanos dizem que a legislação foi criada para perseguir jornalistas incómodos e defensores da liberdade de expressão a poucos meses das próximas eleições gerais, que deverão ser marcadas até Agosto. Para além da pena de prisão, os infractores arriscam multas superiores a 100.000 euros.

Najib Razak, primeiro-ministro desde 2009, e o seu Governo conseguiram fazer aprovar a lei no Parlamento por maioria simples. O Executivo nega que o diploma seja um ataque à liberdade de expressão e imprensa e afirma que os casos serão julgados num tribunal independente. “Esta lei visa proteger o público da disseminação de notícias falsas, ao mesmo tempo que permite a liberdade de expressão, tal como previsto na constituição”, disse a ministra da Justiça, Azalina Othman, ao Parlamento.

A definição legal malaia de "notícia falsa" é vaga, incluindo “notícias, informação, dados e relatos que são total ou parcialmente falsos”, sejam em formato de texto, vídeo, áudio, e surjam na imprensa ou nas redes sociais.

O presidente da Ordem dos Advogados da Malásia, George Varughese, diz que a lei foi redigida de forma propositadamente abrangente. “A redacção das cláusulas é suficientemente ampla para possam ser questionadas visões ‘correctas’ e ‘incorrectas’ de economia, história, política, ciência ou religião”, disse num comunicado citado pela CNN. Varughese salienta ainda o perigo da componente internacional da nova legislação, que poderá motivar futuros pedidos de extradição para a Malásia de jornalistas, comentadores ou críticos estrangeiros. 

O advogado também expressou “séria preocupação” pelo risco de criminalização de géneros como a caricatura, a paródia ou a sátira, acrescentando que já existem demasiadas leis a limitar a liberdade de expressão e de imprensa na Malásia.

O relator especial das Nações Unidas para a liberdade de expressão, David Kaye, tinha pedido ao Governo malaio, horas antes da votação, que não levasse o diploma ao Parlamento. “Peço ao governo que reconsidere a proposta de lei e que a submeta a um verdadeiro escrutínio público antes de tomar alguma decisão”, disse no Twitter.

Para além do cenário de pré-campanha eleitoral, a nova lei surge numa altura em que o primeiro-ministro continua a enfrentar suspeitas num caso de desvio de verbas públicas através do fundo soberano 1Malasya Development Berhard (1MDB, na sigla original) — um escândalo que tem sido investigado sobretudo pela imprensa internacional. O Governo malaio tinha dito em Março, aliás, que qualquer notícia sobre o caso era “falsa”, como recorda a Reuters, o que reforça a tese de que a nova legislação foi redigida de forma a blindar Najib e os seus aliados face ao escrutínio dos jornalistas.

Zaid Ibrahim, antigo ministro da Justiça e crítico do actual primeiro-ministro, é uma das vozes mais destacadas a condenar a aprovação do diploma. “Esta lei é necessária para Najib, mas não para o país. Ele precisa de plantar o medo na população, de que irão para a cadeia se o criticarem”, disse em entrevista à CNN. O antigo ministro afirma ainda que a nova legislação “tem tudo a ver” com o escândalo 1MDB.

Popularizado pelo Presidente norte-americano Donald Trump, o termo "notícia falsa" (fake news, no original em inglês) tem sido abusivamente autorizado por regimes autoritários para atacar e descridibilizar jornalistas e opositores políticos. Na Ásia, Singapura e Filipinas ponderam avançar com leis semelhantes à malaia. Na Birmânia, o regime tem respondido às acusações de genocídio e limpeza étnica na crise dos rohingya apelidando as denúncias de crimes de "notícias falsas".

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