Tempo de compensação nunca cresceu tanto como nesta época

Dados dos últimos anos mostram que, em 2017-18, os árbitros fizeram disparar, em um minuto, a média do período de descontos nos jogos da Liga portuguesa.

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Rui Oliveira foi o árbitro do encontro com mais tempo de descontos na Liga 2017-18: o Feirense-Rio Ave, da 9.ª jornada, que teve 12 minutos de compensação (5+7) JOSÉ COELHO/ LUSA

Tempo útil de jogo. Eis uma expressão que, não estando consagrada nos regulamentos, há muito faz parte do léxico do futebol e que, época após época, continua a gerar protestos e debates a condizer. A não ser que haja uma alteração radical nas regras aprovadas pelo IFAB (International Board), para aproximar o desporto-rei da lógica de outras modalidades, como o futsal ou o basquetebol, é uma equação difícil de resolver. E de mensurar, até. Apesar de tudo, a verdade é que os árbitros têm revelado maior sensibilidade face ao tema e os números estão aí para prová-lo: na presente temporada, o tempo adicional concedido em jogos da Liga portuguesa subiu um minuto, em média, face a anos recentes.

A discussão pós-Tondela-Sporting, as queixas de Sérgio Conceição depois do Paços de Ferreira-FC Porto, a recente intervenção de Rui Vitória no Fórum de Treinadores, todas estas achas têm contribuído para intensificar a fogueira do tempo efectivo de jogo. A sensação generalizada (e dizemos sensação porque a Liga Portuguesa de Futebol Profissional não dispõe de dados que permitam tirar conclusões definitivas) é de que, em Portugal, a bola está menos tempo em movimento do que nos campeonatos de referência na Europa. O treinador do Benfica chegou mesmo a avançar com um número, 49 minutos, para ilustrar o tempo médio útil de jogo na Liga portuguesa, apelando a uma mudança de mentalidade.

Enquanto esse apelo não surte efeitos, a alternativa é ir compensando os tempos mortos de cada partida. E os árbitros portugueses foram, no início da presente temporada, incentivados pelo Conselho de Arbitragem a não pouparem nos minutos de compensação, sempre que as incidências dos jogos o justifiquem. A esse respeito, poderá dizer-se que a orientação tem sido seguida, senão vejamos: enquanto, em 2016-17, a média de tempo adicional atribuído por partida nas 34 jornadas foi de cinco minutos, na época actual, contabilizadas as 27 jornadas até agora concluídas, esse valor disparou para seis minutos. É a mais significativa subida dos últimos anos no futebol.

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A análise feita pelo PÚBLICO incide sobre as últimas cinco temporadas (a que se junta a época em curso) e permite concluir que, desde Agosto de 2017, o tempo extra tem crescido como nunca. Há cinco anos, a média de todo o campeonato foi de 4,9 minutos por jogo, valor que se repetiu em 2013-14 e 2015-16, como se pode constatar na infografia ao lado. Mas o salto que se deu agora é o mais expressivo de todos. E se tivermos em conta que não houve uma mudança de paradigma dentro de campo, já que as paragens (as forçadas e as outras) seguem o mesmo padrão há vários anos, o que se constata é uma alteração na forma como os árbitros abordam o problema.

Rigor nas primeiras partes

Foi na quarta jornada que se registou a média mais elevada até agora, com 7,7 minutos concedidos por jogo, mas a barreira dos sete minutos já foi ultrapassada mais três vezes até à data — e esse limiar nunca tinha sido atingido nas temporadas anteriores. Uma outra curiosidade: nas actuais 27 rondas, o total de minutos extra atribuídos nas primeiras partes (388) já é superior ao total de cada uma das cinco épocas transactas (2014-15 foi a que mais se aproximou, com 380 em 34 rondas). E ainda há mais sete jornadas por contabilizar.

Estes dados retratam também um maior cuidado na distribuição dos minutos adicionais, refreando a tendência de outros tempos de compensar no final dos 90’ o tempo perdido nas duas metades do encontro. Não é incomum, a esse respeito, ver-se uma compensação de quatro ou mais minutos ainda antes do intervalo (aconteceu por 16 vezes em 2017-18) ou assistir-se a um “prolongamento” maior na primeira parte do que na segunda (sucedeu por 13 vezes no mesmo período).

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A este ritmo, Portugal aproxima-se a passos largos da Premier League, o campeonato dos Big 5 com a média mais elevada de minutos de descontos concedidos (6,2 em 2016-17), e distancia-se ainda mais da Liga espanhola (3,9), que está no polo oposto — ver infografia ao lado. O que não deixa de ser curioso, se tivermos em conta que o campeonato inglês é aquele que menos interrupções por jogo registou, em média, nessa época (100), quando comparado com os outros “grandes” do continente. Ainda assim, os árbitros britânicos são os mais generosos quando se trata de prorrogar o encontro.

Aproveitamos o mote para recordar as situações em que a compensação está prevista nas leis de jogo, em concreto na Lei 7: substituições, avaliação das lesões dos jogadores, transporte dos jogadores lesionados para fora do terreno de jogo, perdas de tempo (manobras que retardem deliberadamente o recomeço do encontro) e “qualquer outra causa” (que pode passar por uma falha eléctrica ou por um atraso provocado pelo mau tempo). “A atribuição do tempo perdido é à discrição do árbitro”, determina o documento aprovado pelo IFAB, ainda que haja recomendações para se aplicar, por exemplo, 30 segundos de compensação por cada substituição.

Mais paragens por lesões

Deste lote, o ponto mais sensível e difícil de avaliar é o exame das queixas físicas dos atletas, que muitas vezes obrigam à entrada da equipa médica no relvado. E embora não seja possível aferir a gravidade das lesões, por parte do árbitro ou dos adeptos, é pelo menos possível constatar que a Liga portuguesa sofre um número de paragens para assistência médica francamente superior ao dos demais campeonatos. Nas 26 primeiras jornadas desta época, a média em Portugal foi de 2,8 por jogo, contra 1,4 em Espanha ou 1,5 em Inglaterra, como se infere da infografia ao lado.

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Tendo em conta todas as variáveis que contribuem para encurtar o tempo em que a bola está efectivamente em jogo, o IFAB avançou, em Junho do ano passado, com uma série de propostas para “acelerar o ritmo” das partidas. Entre as várias ideias lançadas para cima da mesa (algumas das quais não obrigam a alterar os regulamentos), há uma que apresenta um perfil mais disruptivo face à actual lógica do futebol: a de reduzir cada uma das partes a 30 minutos reais. Num documento intitulado “Play Fair”, é sugerido que o relógio pare sempre que a bola não esteja em jogo.

“Muitas pessoas sentem-se frustradas com o facto de um encontro de 90 minutos ter menos de 60 minutos de tempo efectivo de jogo”, reconhecem os responsáveis de um organismo conhecido por apresentar um perfil de grande conservadorismo. Enquanto a fase de reflexão se prolonga, os árbitros vão tentando adaptar-se, seguindo indicações da FIFA em situações muito concretas. “Num jogo com muitos golos, as celebrações acabam por demorar muito tempo, por isso, esse tempo tem de ser compensado”, lembrou Marco Van Basten, ele próprio habituado a marcar com frequência quando jogava e hoje director técnico do organismo. Até porque não são raros os casos de golos marcados também na compensação.

com Augusto Bernardino

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