Ryanair cancela vários voos e recorre a tripulação estrangeira por causa da greve

A companhia low cost irlandesa está a ser acusada de recorrer a voluntários e a tripulação estrangeira, ameaçando-os de despedimento em alguns casos – a Ryanair recusou comentar.

Foto
LUSA/Roman G. Aguilera

A presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), Luciana Passo, afirma que a adesão à greve por parte dos tripulantes portugueses de cabine da Ryanair "é superior a 90%". A greve fez com que a Ryanair recorresse a voluntários e a tripulação estrangeira – e, se não aceitarem, são “ameaçados de despedimento”, diz Luciana Passo.

Segundo a responsável, também há a indicação de que houve tripulação de outras bases que chegaram no sábado à noite para efectuar os voos desta manhã. Além disso, explicou, também está a ser feito aquilo que denominou de "reversão" do voo, dando um exemplo: no caso de Faro, estava previsto os voos Faro-Dublin-Faro. Com a reversão, as ligações passaram a ser Dublin-Faro-Dublin. Luciana Passo acrescentou também que "têm saído aviões só com pilotos para irem buscar tripulantes a outras bases".

Segundo o SNPVAC, durante a manhã deste domingo, dos oito voos previstos no aeroporto Porto, cinco foram cancelados. Em Lisboa, dos cinco (um era voo doméstico, com destino ao Porto), dois foram cancelados. Relativamente a Faro, dos sete voos programados, saíram apenas três. A Lusa contactou a Ryanair sobre o assunto, mas até ao momento não foi possível obter resposta.

Os tripulantes de cabine da Ryanair em Portugal cumprem, desde a meia-noite deste domingo de Páscoa, o segundo dia de greve – de três não consecutivos – para exigir que a companhia aérea irlandesa aplique a lei nacional.

Em causa está o cumprimento de regras sobre a parentalidade, garantia de ordenado mínimo, bem como a retirada de processos disciplinares por motivo de baixas médicas ou vendas a bordo abaixo dos objectivos da empresa.

No primeiro dia de paralisação, na passada quinta-feira, o SNPVAC disse que a adesão rondou os 90%. “Temos cerca de seis cancelamentos confirmados e houve uma panóplia de mais de 20 voos que foram efectuados por tripulantes estrangeiros”, garantiu, na altura, à Lusa, Bruno Fialho, da direcção do sindicato.

Sem responder às acusações do sindicato, a Ryanair divulgou um comunicado para garantir que a greve provocou apenas “ligeiras perturbações” na operação e afirmou a sua gratidão para com os funcionários que “ignoraram” a paralisação.

O SNPVAC convocou esta greve de tripulantes de cabine da Ryanair porque as conversações com a transportadora se “verificaram infrutíferas” no que toca às exigências para aplicar a lei portuguesa, nomeadamente o direito de parentalidade e baixas médicas.

Caracterizando a greve como “desnecessária” face a uma reunião marcada e as propostas colocadas em cima da mesa, a Ryanair ameaçou ainda reduzir o número de aviões nas bases que tem em Portugal se a greve dos tripulantes de cabine no período da Páscoa avançar, segundo um memorando enviado aos trabalhadores, a que a Lusa teve acesso.

A jurista da Deco Ana Sofia Ferreira argumenta que uma greve não é uma circunstância imputável às transportadoras aéreas, pelo que “não há direito à indemnização, excepto se a transportadora, já depois de ter recebido o pré-aviso de greve, continuar a vender bilhetes conhecendo e sabendo antecipadamente que muito provavelmente não vai poder realizar aqueles voos”.

Ryanair admite recurso a voluntários e tripulação estrangeira

Neste domingo, a Ryanair admitiu ter recorrido a voluntários e a tripulação estrangeira durante a greve dos tripulantes portugueses, de acordo com um memorando enviado aos trabalhadores, a que a Lusa teve acesso.

"Agradecemos a todos os que trabalharam na última quinta-feira, o vosso apoio é muito apreciado. Durante a greve portuguesa, muitas das nossas tripulações chamadas ao dever, juntamente com alguns voluntários extra e rotações vindas de bases não portuguesas, [fizeram] com que provocássemos apenas pequenas perturbações nos nossos voos e aos clientes", lê-se no documento.

A companhia irlandesa lamentou ainda que alguns trabalhadores tenham sido alvo de mensagens intimidatórias e publicações nas redes sociais."Apesar de as pessoas estarem empenhadas em exercer o seu direito de greve, isso não se estende a intimidar a tripulação que deseja exercer o seu direito de trabalhar normalmente", indicou.

A presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), Luciana Passo, disse que "têm saído aviões só com pilotos para irem buscar tripulantes a outras bases".

"Gostaria muito de ver quem tem responsabilidades neste país a tomar uma posição, não podem brincar com os portugueses, não podem pôr sempre os portugueses de chapéu na mão a pedir que venham para cá investir" e que quem invista em Portugal "faça 'tábua rasa' do nosso ordenamento jurídico e da nossa legislação", disse ainda à Lusa a presidente do SNPVAC.

"Temos leis, temos regras, temos dignidade, olhem para estes tripulantes da Ryanair e respeitem", acrescentou, salientando que os tripulantes portugueses que estão em greve "tiveram uma enorme coragem em tomar esta iniciativa de acção de greve que, por contrato, curiosamente não podem", acrescentou.

Luciana Passo adiantou à Lusa que o sindicato apresentou, inclusive neste domingo, uma denúncia à ACT — Autoridade para as Condições de Trabalho devido à substituição de grevistas, prática proibida por lei.

Ameaças de despedimento

Perante o avanço da paralisação, a Ryanair começou "a substituição de grevistas" e a fazer reversão de voos, ou seja, em vez de estes se iniciarem em território nacional para depois regressarem, a partida é de outro país, além de saírem aviões de Portugal sem passageiros para ir "buscar tripulantes de outras bases da Europa".

Luciana Passo aponta algo que se tem tornado "viral na Ryanair na Europa", que passa por "telefonar aos tripulantes que estão de prevenção e dizer que estão nomeados para os voos em Portugal".

Quando os tripulantes estrangeiros questionam se o objectivo é substituir algum colega em greve em Portugal, "dizem que não têm nada de saber", apontou Luciana Passo.

Mas a operadora aérea não se fica por aqui, salienta, porque quando os colegas dizem que não aceitam, os trabalhadores "são ameaçados de despedimento", como o caso de uma colega espanhola, cujo áudio da conversa telefónica a Lusa teve acesso.

A tripulante espanhola que está em Barcelona de prevenção recebeu uma chamada da Ryanair a dizer que há "uma mudança para hoje" e que "vai operar o voo do Porto". A trabalhadora questionou se é um voo para cobrir a greve em Portugal, ao que lhe foi respondido que não há informação sobre isso.

A tripulante prosseguiu dizendo que se for o caso de uma substituição durante a greve não está disponível, que "não quer ir contra ninguém". No entanto disponibilizou-se "para qualquer outro voo" e não num de reversão, já que os colegas portugueses estão em greve.

A pessoa que lhe liga da Ryanair pediu-lhe um minuto e depois de alguns minutos em espera, voltou à chamada e insistiu que se a tripulante espanhola não fizesse o voo do Porto estava a violar o contrato, sujeitando-se às consequências.

"Não pode recusar fazer este voo, se o fizer vai violar o seu contrato, portanto é pedido que vá para o Porto", afirmou a funcionária da Ryanair, na chamada.

Ao longo de mais de três minutos, a Ryanair afirmou por várias vezes que a trabalhadora estava a violar o contrato, enquanto esta ia manifestando sinais evidentes de nervosismo, afirmando que não podia fazer o voo porque ia ficar "nervosa o dia todo", que estava "a tremer" e que não se estava a sentir bem com a situação.

Disse ainda que não queria aterrar no Porto e ter problemas com as autoridades portuguesas, com a Ryanair a rejeitar que tal viesse a acontecer. Luciana Passo sublinhou que a "colega espanhola teve uma coragem enorme de dizer que não se estava a sentir bem", que estava a tremer, o que se notava no áudio, mas "ainda assim a Ryanair continuou na sua coacção".

O caso de Espanha é apenas um dos muitos exemplos que se têm passado neste domingo, segundo a sindicalista. "Passou-se o mesmo na Holanda, passou-se o mesmo em França", apontou.

A presidente do SNPVAC adiantou ainda que houve uma acção dos tripulantes da Ryanair em "vários aeroportos europeus", que distribuíram panfletos para alertar para as questões da greve em Portugal.

Os problemas que os tripulantes portugueses enfrentam "são transversais em toda a Europa", é "um movimento europeu que vai crescendo e não tenho a menor dúvida que uma greve a nível europeu de tripulantes da Ryanair vai ser uma realidade muito em breve", previu. A Ryanair recusou-se a comentar as acusações do sindicato sobre ameaças aos trabalhadores que se recusem a substituir tripulantes de cabine portugueses em greve.

"Não comentamos conversações com os nossos colaboradores, nem qualquer tipo de rumor ou especulação", disse, em comunicado, a companhia aérea. A Ryanair garante que a maioria dos tripulantes portugueses de cabine está a trabalhar e classifica a greve como "desnecessária e injustificada".

Sugerir correcção
Comentar