Fogacho empreendedor?

Hoje em dia, há uma incubadora em cada esquina e a esmagadora maioria não pode ser considerada como mais do que um espaço de coworking.

Foi notícia em meados de fevereiro que uma das startups bandeira do país, a Chic by Choice, já não estaria a funcionar, tendo, para todos os efeitos, definhado. É interessante ler o comunicado emitido pela Portugal Ventures, um dos principais investidores portugueses de capital de risco, o qual indica que a Chic by Choice não é sustentável, deitando as responsabilidades pela situação para cima da empresa e para as suas “promotoras”.

Toda esta situação é perfeitamente ilustrativa dos “pés de barro” do ecossistema tecnológico português em (quase) toda a sua extensão. Começando pelo menos grave, a Portugal Ventures sugere no comunicado, de forma orgulhosa, que a Chic by Choice ter conseguido que 600 dos seus vestidos fossem alugados em várias alturas é algo impressionante.

Não é. Seiscentos vestidos alugados em, pelo menos, três mercados – para além de Portugal, os indicados no comunicado são “apenas” os dois maiores mercados europeus, o Reino Unido e a Alemanha – é, na melhor das hipóteses, o início de um trabalho. Se o Nuno Sebastião da Feedzai, uma startup portuguesa sólida, com quase 60 milhões de dólares de receitas em 2017, diz que ainda não teve sucesso e falta imenso caminho pela frente, a Portugal Ventures tem nitidamente uma ideia extremamente errada do que é uma startup com um modelo “disruptivo [e] inovador” se acha que 600 vestidos em picos de procura é algo de excecional.

Mais grave é a falta de talento (a) sério no país para executar ideias. Por muito boa que uma ideia seja, o que interessa é saber planear o que fazer com ela e depois executá-la de forma correta. No caso de uma startup, interessa executá-la de forma rápida e consistente, indo melhorando o produto ou serviço diariamente. Pretende-se com isto que haja um crescimento rápido da quota de mercado até atingir efeitos suficientes de escalabilidade para que o negócio possa finalmente ser lucrativo. Até chegar esse momento, e de modo a financiar todo o crescimento que se espera ser exponencial, vai-se angariar capital de risco que deve não só consistir em dinheiro, mas também em conhecimentos e aconselhamento à direção executiva da empresa.

Tendo em conta o desfecho deste caso e a entrevista que as fundadoras deram depois, parece óbvio que a Chic by Choice planeou mal o processo de angariação de capital e, tendo em conta a alteração brusca, em 2017, do modelo de negócio, que houve uma falha no elemento central da startup. Apesar de, hoje em dia, quase se festejar o falhanço, é bom relembrar que falhar não é bom. Pode-se aprender com os erros, mas não deixa de ser algo mau e com consequências nefastas.

Para evitar falhanços, o estudo de casos e de boas práticas é muito importante, mas as universidades e muitos dos seus professores de gestão, que deveriam tomar a dianteira no assunto, não estão adaptados às necessidades das startups.

A solução encontrada até agora tem sido a criação de incubadoras e aceleradoras, que, em teoria, preparam os fundadores para as especificidades das startups. Aquilo que se vê em Portugal nesta área, no entanto, é desolador. Hoje em dia, há uma incubadora em cada esquina e a esmagadora maioria não pode ser considerada como mais do que um espaço de coworking. Uma incubadora tem de ter um programa estruturado em que as suas incubadas aprendem a gerir uma startup em todas as suas vertentes e a sair para o mercado. Não havendo, não estamos a falar de uma incubadora.

Em termos de aceleradoras, o panorama é ainda pior com talvez duas que realmente o serão a nível nacional. Uma aceleradora pretende ajudar startups com produto já testado e comercializado junto do seu segmento-alvo a crescer exponencialmente no mercado. Falando das melhores práticas internacionais, a aceleradora deve inclusivamente investir nas startups nos seus programas – e, com investir, o mínimo devem ser cinco dígitos.

Resumindo, está a ser vendido “gato por lebre” em quase todo o país e isto reflete-se no facto de poucas startups conseguirem realmente fazer algo sério e duradouro.

O problema mais grave que todo o caso da Chic by Choice revela, no entanto, tem a ver com a própria Portugal Ventures. Num continente em que não há fundos de pensões investidores, não discuto a necessidade de um grande fundo público. Interessa-me, antes, falar de processos.

Um bom investidor tem de apoiar e estar em contacto permanente com as startups em que investe. Este apoio é fundamental para as startups nem que seja porque, à partida, o investidor terá conhecimento especializado do mercado. Lembro-me, aliás, da minha primeira conversa com o CEO da Talkdesk em que, a certa altura, ele me diz que era crucial a comunicação constante com os seus investidores para discutir a direção estratégica, para receber aconselhamento sobre a “vertical” e, também, sobre aspetos da própria gestão da empresa.

O que já ouvi de várias participadas da Portugal Ventures, no entanto, é que não é bem isto o que acontece. Não sei se será realmente verdade, mas, sendo, este grande investidor de referência nacional deveria reconsiderar seriamente os seus procedimentos. É que, para mais, o modo de escolha das startups em que investe parece também estar a falhar mais do que seria expetável. Para além da Chic by Choice, temos o famoso falhanço da Kinematix e, no lado oposto, a constatação que a Portugal Ventures não investiu em nenhuma das atuais grandes startups portuguesas…

Nada do que mencionei é incorrigível, mas tudo carece de correção rápida antes que o ecossistema tecnológico português se cristalize e torne estruturais todas estes problemas. Em relação às incubadoras e às aceleradoras, a Startup Portugal deveria começar por retirar todos os espaços que não tenham programas de incubação e aceleração da sua Rede Nacional de Incubadoras e Aceleradoras, promovendo a adoção de boas práticas. Claro que, politicamente, é mais agradável dizer que o ecossistema está mais sólido por haver mais incubadoras e aceleradoras, mas o que está a acontecer serve apenas para nos enganarmos a nós próprios.

Quanto à Portugal Ventures, se se quiser que seja uma mais-valia para o ecossistema, não basta substituir os administradores, como parece ir acontecer num futuro próximo, mas sim todo o seu modo de trabalho. A escolha dos investimentos deve ser feita por critérios objetivos e análises rigorosas de especialistas, não bastando folhas de cálculo “marteladas” e planos de negócios floreados. Após o investimento, o acompanhamento e o aconselhamento têm de ser constantes e, se a Portugal Ventures não estiver disposta a mudar, a substituição de pessoas não pode parar na administração.

De tudo isto depende o futuro do ecossistema português. Por este caminho, arriscamo-nos a não ser nem uma nova Berlim nem um novo Silicon Valley, mas a ser apenas um novo fogacho empreendedor.

 

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