Governo eleva apoios às artes para 72,5 milhões no meio de muita contestação

Na segunda-feira, o Ministério da Cultura vai apresentar as regras do reforço de financiamento no apoio às artes. Os resultados dos concursos nas mais diversas áreas estão a agitar o sector, sobretudo os do teatro, que ainda não são definitivos. Reuniões e acções de protesto estão já agendadas para Lisboa e Porto.

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A peça Pirandello, da companhia Mala Voadora, no Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, um encontro que, de acordo com os resultados provisórios, fica fora dos apoios da DGArtes Paulo Pimenta

Sob forte contestação, a Direcção-Geral das Artes (DGArtes) a?presenta na segunda-feira as regras de reforço do financiamento do Programa de Apoio Sustentado, que eleva para 72,5 milhões de euros o montante disponível até 2021, anunciou este sábado o Ministério da Cultura (MC). Estas contas contemplam mais dois milhões de euros por ano, no âmbito dos financiamentos para o quadriénio 2018-2021, acrescendo meio milhão do orçamento da DGArtes ao valor de 1,5 milhões para o reforço do apoio à criação artística anunciado pelo primeiro-ministro António Costa a 20 de Março no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

O anúncio do Ministério surge depois de conhecidos os resultados provisórios dos concursos plurianuais para as áreas do teatro, das artes visuais e dos cruzamentos disciplinares, que deixaram sem resposta 73 candidaturas e garantiram financiamento a 87 entidades, e do anúncio das decisões finais nas áreas da dança e do circo contemporâneo e artes de rua, que contemplaram 24 entidades (21 ligadas à dança).

"Findo o período de audiência prévia a que os candidatos têm direito [no caso do teatro o recurso dos resultados pode ser apresentado até 13 de Abril], e considerando as eventuais alterações daí procedentes, será aplicado o reforço anunciado pelo primeiro-ministro de 1,5 milhões de euros, aos quais serão ainda alocados 500 mil euros do orçamento da DGArtes", lê-se no comunicado do MC.

"Ficarão, assim, disponíveis mais dois milhões de euros em cada ano, elevando para 72,5 milhões de euros as verbas disponíveis para o novo ciclo de apoios que agora se inicia (2018-2021). Este valor representa um aumento de 58% relativamente ao ciclo anterior", de 2013-2016, destaca o Ministério. As regras para o reforço serão anunciadas pela DGArtes na próxima segunda-feira, 2 de Abril, segundo o mesmo comunicado.

Para o Governo, "este reforço acompanha a estratégia de recuperação dos valores referenciais de 2009", meta com a qual se comprometeu até ao final da legislatura.

O Programa de Apoio Sustentado às Artes 2018-2021, que financia grande parte da actividade artística em Portugal, abriu em Outubro do ano passado, com um valor global de 64,5 milhões de euros, para apoiar modalidades de circo contemporâneo e artes de rua, dança, artes visuais, cruzamentos disciplinares, música e teatro.

O MC precisa também este sábado que foram admitidas 242 das 250 candidaturas apresentadas a este programa para as seis áreas a concurso e que as regiões autónomas dos Açores e da Madeira foram pela primeira vez incluídas nos concursos nacionais.

Os resultados já conhecidos mostram que companhias como o Teatro Experimental do Porto (TEP) e a Seiva Trupe, o Teatro Experimental de Cascais (TEC) de Carlos Avilez e a Casa Conveniente de Mónica Calle  ficaram sem financiamento, assim como as únicas estruturas profissionais de Évora (Centro Dramático de Évora - Cendrev) e de Coimbra (Escola da Noite e O Teatrão), além de projectos como o Cão Solteiro e a Bienal de Cerveira e a escola de circo Chapitô.

O PCP e o BE já exortaram o Governo a aumentar as verbas de apoios às artes "para níveis dignos", criticando, face aos resultados já conhecidos, os evidentes desequilíbrios territoriais e a insuficiência de fundos.

Num documento em que dirige uma série de perguntas ao Governo, via Presidente da Assembleia da República, a propósito dos resultados provisórios dos concursos na área do teatro, a deputada comunista Ana Mesquita acusa a DGArtes de não levar em conta as necessidades de todo o país e de "obliterar" o percurso de companhias e estruturas que têm “um historial de verdadeira descentralização cultural”, como o Cendrev (Évora), a Escola da Noite (Coimbra) ou o Teatro das Beiras (Covilhã).

No mesmo requerimento dirigido a Ferro Rodrigues, Mesquita defende que “urge reverter o crónico subfinanciamento das Artes, reforçar as verbas disponíveis e dar passos concretos rumo à meta de 1% do Orçamento de Estado para a Cultura” e volta a falar da proposta do PCP que permitiria um aumento de 25 milhões de euros nos apoios ao sector no Orçamento do Estado para o corrente ano.

Na lista provisória do teatro, entre as estruturas mais apoiadas estão a Companhia de Teatro de Almada, os Artistas Unidos, o Teatro Praga, O Bando, e as companhias de Teatro de Braga e do Algarve, com verbas a rondar os 1,2 milhões de euros para o quadriénio.

O presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreira, pediu entretanto ao Governo para rever a situação quanto ao TEC, e o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, marcou para terça-feira uma reunião com as estruturas culturais da cidade que diz terem sido "amplamente prejudicadas" no Programa de Apoio Sustentado 2018-2021.

“Em causa estão”, garante uma nota da autarquia que antecipa a discussão marcada para terça-feira  no Teatro Rivoli, “dezenas de companhias e festivais culturais que correm o risco de desaparecer”, numa referência clara ao TEP, à Circolando, ao Festival Internacional de Marionetas do Porto e ao Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica.

A reunião de Moreira com os agentes culturais, à qual se seguirá uma conferência de imprensa, acontece depois de o presidente da autarquia ter já conversado com o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, sobre os resultados provisórios do apoio na área do teatro. Não é difícil imaginar que, na conferência, Moreira venha a usar estes resultados como exemplo do centralismo do Estado.

Várias estruturas artísticas protestaram já contra os resultados. O Sindicato dos Trabalhadores dos Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA/STE), as associações de profissionais Rede e Plateia e o Manifesto em Defesa da Cultura também convocaram reuniões para terça-feira e concentrações de protesto, na sexta-feira, em Lisboa e no Porto.

No comunicado divulgado este sábado, o MC afirma que "acompanha as preocupações do sector artístico, bem como das demais entidades públicas e privadas que têm manifestado as suas posições, e apela a uma participação activa na reflexão que agora se inicia para uma melhoria das condições de apoio à criação artística portuguesa".

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